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ARTIGO
Como as empresas de energia tiraram dinheiro da Califórnia
PAUL KRUGMAN
Até recentemente, parecia improvável que a Califórnia conseguisse um dia receber alguma coisa de volta das empresas
de energia que, na opinião de funcionários do governo, roubaram
bilhões de dólares do Estado. Veio
em seguida o escândalo da Enron.
Será que as revelações sobre as
maquinações políticas da empresa e novas alegações de que a
Enron manipulou o mercado de
eletricidade na Califórnia vão mudar a situação?
Funcionários do governo californiano acreditam que sim.
Abriram processo na Comissão
Federal de Regulamentação da
Energia (FERC) e solicitaram
uma renegociação dos contratos
assinados durante a crise de energia no Estado. Eles têm a esperança de que os funcionários da
FERC, especialmente o presidente da comissão, Pat Wood (indicado para o posto por Ken Lay, da
Enron), sintam a necessidade de
demonstrar sua independência.
Os contratos em questão foram
assinados cerca de um ano atrás,
quando os preços da eletricidade
eram dez vezes superiores aos
normais no mercado atacadista
californiano. Em junho passado,
no entanto, os preços despencaram. O Estado deseja que os contratos sejam cancelados.
Será que as autoridades estaduais têm um caso sustentável? A
opinião geral é que a Califórnia só
pode culpar a si mesma pela crise
de energia. O fiasco foi resultado
de uma "desregulamentação mal
conduzida". Mas essa opinião
convencional só ganhou adeptos
porque se enquadra na fé que
nossa era deposita nos mercados
(como Kenneth Lay declarou certa vez, "acredito em Deus e acredito nos mercados").
Complicado é definir a "desregulamentação mal conduzida".
Muitos culpam os preços, que foram desregulamentados no atacado, mas não no varejo -mas isso
tem pouca relação com o que saiu
errado.
O fato-chave sobre a crise da
Califórnia é que ela atingiu seu pico não no verão, quando os aparelhos de ar-condicionado consomem o máximo de energia, mas
nos meses frios. A oferta deveria
ter sido suficiente. Em lugar disso,
houve escassez -por alguma razão, um terço da capacidade de
geração do Estado ficou inativa.
As empresas alegaram que os
geradores estavam em manutenção por conta da demanda do verão anterior. Mas a paralisação
misteriosa se sustentou durante
seis meses e permaneceu, a despeito dos preços estratosféricos
atingidos pela eletricidade. Certamente, houve tempo e havia incentivo para acelerar os reparos.
Uma explicação mais provável
(amplamente aceita por economistas especializados em energia)
é que as empresas do ramo concluíram que poderiam ganhar
mais fechando algumas usinas geradoras. E criaram uma escassez
que jogou os preços às alturas.
Se a opinião convencional estivesse certa, a crise teria ficado
mais grave no verão passado. Mas
a eletricidade subitamente se tornou abundante. Os preços despencaram. Frank Wolak, o professor da Universidade Stanford
que comanda o comitê de fiscalização do mercado de eletricidade
da Califórnia, explicou o motivo.
Em junho, graças à conservação
de energia, a maior parte das necessidades do Estado estava sendo atendida por contratos de longo prazo. O mercado "spot" (à
vista), tão fácil de manipular, se
tornara pequeno. Desapareceu o
incentivo para que as empresas de
energia deixassem as geradoras
fora de operação para elevar os
preços no "spot". Subitamente, a
capacidade de geração ociosa voltou a funcionar e a crise acabou.
Agora, a verdade é que o programa de desregulamentação da
Califórnia provavelmente foi mal
conduzido, mas seu defeito foi
confiar demais nos mercados
-não de menos. Como diz Wolak, o sistema da Califórnia diferia
de outras desregulamentações em
larga medida por oferecer poucas
salvaguardas contra a manipulação do mercado. E o Estado pagou um enorme preço por sua
credulidade.
A Califórnia ganhará o processo? Tenho minhas dúvidas: o dinheiro continua a falar mais alto.
Mas ao menos a mudança pós-Enron no clima de negócios tornou possível revisitar a crise da
Califórnia, uma crise que deveria
ter provocado uma reavaliação de
nossa ideologia econômica, antes
que os ideólogos a eliminem da
memória.
Minha coluna de 22 de fevereiro
[publicada na Folha no sábado]
mencionou a "linha 47" do formulário de declaração de imposto
de renda deste ano. O que eu disse
estava correto, mas foi sujeito a
interpretações equivocadas, a
maioria das quais inocentes, outras tantas deliberadas. Permitam-me reformular: a maioria
acredita ter recebido tanto uma
restituição extraordinária quanto
um corte de impostos. Mas a restituição representou apenas um
adiantamento do corte; ela será
descontada da restituição total
que você poderia receber, de outra maneira. Centenas de milhares de pessoas que apresentaram
suas declarações de renda antecipadamente já entenderam a situação. O efeito será dar para muitos
um choque desagradável -exatamente o oposto do que a nossa
economia precisa.
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton (EUA). Este
artigo foi originalmente publicado pelo
"The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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