São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

Os prós e contra das cotas

Recebi um bom número de e-mails sobre a coluna "As cotas nas universidades" -em que critico a proposta. A base da argumentação é que o aluno que não foi bem preparado no ensino médio não terá condições de acompanhar o ritmo da universidade. De duas uma: ou se rebaixará mais ainda o nível, para se adequar a eles; ou eles abandonarão o curso por incapacidade de acompanhar o ritmo. O que se sugeria era uma política que identificasse os melhores alunos nas escolas públicas e os amparasse desde cedo, permitindo que chegassem ao vestibular em igualdade de condições com aqueles de melhor renda. Mas que no vestibular vencessem os melhores.
Na linha contrária a essa posição, há um conjunto de argumentos. Alguns argumentos de cunho algo racista ao inverso -o de que os negros, por conta de séculos de discriminação, não teriam condições de competir em igualdade com os brancos. Não é por aí.
Contra esses argumentos, há outros, como os do leitor Jorge Marun, para quem "as cotas vão humilhar e estigmatizar seus beneficiários. Percebi isso conversando com um amigo negro que, a muito custo, conseguiu galgar a classe média. Ele me disse: "Trabalho duro para meu filho estudar e entrar numa boa faculdade. Não quero que ele entre na "vaga do preto", quero que ele entre porque merece". Veja o caso recente da idéia do ministro da Educação, Tarso Genro, de financiar vagas em universidades privadas para negros, deficientes e ex-presidiários.
Tem cabimento equiparar negro a deficiente e ex-presidiário? Isso não é humilhante?".
Em relação à comparação com o sistema de cotas nos Estados Unidos, muitos leitores lembraram que lá não existe o vestibular, mas a seleção não objetiva dos alunos, e havia um "apartheid" social claro. Nessas circunstâncias as cotas se justificariam, não nas do Brasil.
Ponto questionado foi a afirmação que fiz de que os beneficiados pela cota, não tendo preparo anterior, não conseguiriam acompanhar o ritmo da universidade. O desafio era claro: será possível a alguém sem preparo prévio em matemática cursar uma Poli? Alguns leitores levantam estatísticas da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), segundo as quais teria havido melhor desempenho no grupo dos "cotistas" que dos demais alunos.
Mas houve uma quantidade majoritária de leitores, especialmente de professores universitários, concordando que as cotas prejudicariam ainda mais o nível das universidades. Muitos leitores lembraram o sistema de massificação do ensino superior, que acabou produzindo uma relação enorme de universidades e faculdades privadas do pior nível. Ou mesmo a falta de atenção à massificação do ensino médio -inevitável em razão da explosão populacional e da urbanização nos anos 70-, que comprometeu sua qualidade pela falta de atenção dos governantes.
Ponto comum a todos, aliás, é que a questão das cotas esconde o problema maior, que foi a mediocrização do ensino público brasileiro. Aí está o nó da questão. Os salários são aviltantes, espanta os melhores. Sem salários, não há cobrança. Sem cobrança, não há qualidade. E, sem educação, não há desenvolvimento.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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