São Paulo, sábado, 27 de março de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A metalinguagem dos juros

GESNER OLIVEIRA

A ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada na quinta-feira, melhorou um pouco o humor do mercado e restabeleceu a expectativa de queda da taxa de juros nos próximos meses.
A maneira pela qual esse texto técnico e carregado de economês é esmiuçado pelo mercado e pela mídia ilustra bem o papel crucial da comunicação para a política monetária. Em breve as atas do Copom serão objeto de exercício de interpretação de texto no vestibular!
Não foi por acaso que, em um balanço das experiências de diversos países de regime de metas inflacionárias, como aquele que o Brasil adota desde 1999, o economista Ben Bernanke e outros autores enfatizaram tanto a importância da forma de implementação do sistema e particularmente da qualidade da comunicação por parte da autoridade monetária.
Pois aplicando a interpretação de texto da última ata em comparação com as dos dois meses anteriores, percebe-se uma mudança de ênfase pelo Copom que vai além da melhora que efetivamente se verificou nos números da inflação nas últimas semanas. Mas o tom excessivamente pessimista em relação à inflação das atas do início do ano já afetou as expectativas em um momento importante da recuperação da economia e de tomada de decisão de investimento e emprego por parte das empresas.
Em meio à discussão da conjuntura, muitos críticos do Banco Central perdem a perspectiva histórica de quanto se avançou na última década em termos de transparência e informação ao público acerca da condução da política monetária. O próprio volume de dados das atas, dos relatórios de inflação, resenhas setoriais e trabalhos de pesquisa publicados regularmente e disponibilizados no site www.bcb.gov.br contrasta com a absoluta ausência de elementos objetivos que imperava no passado.
Esse avanço permite um debate mais informado acerca das formas de aprimoramento do regime de metas no Brasil, como chegou a ser discutido na audiência do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na quinta-feira. É evidente que não se pode mudar o sistema todo ano como se fosse regulamento de campeonato de futebol. Isso seria o caminho mais rápido para a desmoralização do regime (que, aliás, já ocorreu com esse simulacro de Campeonato Paulista).
Mas as regras e os instrumentos analíticos do regime de metas não são cláusulas pétreas. Merecem uma reflexão permanente e devem ser aplicadas com o máximo de bom senso, como, aliás, qualquer medicamento, especialmente quando o paciente tem saúde tão frágil.
Um exemplo desse esforço de reflexão está contido na densa tese de doutorado do economista Celso Toledo apresentada na mesma quinta-feira na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. O trabalho de Toledo mostra que, "se for verdade que os juros reais afetam mais a oferta do que a demanda, é possível que a política monetária em curso esteja sendo perversa do ponto de vista do nível de atividade e até mesmo da inflação".
Outro resultado interessante reforça preocupação já existente no Banco Central de melhorar a forma pela qual a autoridade brasileira estima o chamado "hiato do produto", termo economês para designar a distância que a economia se encontra da plena utilização de seus recursos produtivos. É fácil intuir que a precisão dessa estimativa é crucial para diagnosticar o momento no qual se encontra a economia e a oportunidade de subir ou baixar os juros.
Está certo o presidente Meirelles ao afirmar, na audiência do Senado, que, "para um banco central, conservador não é insulto". Ninguém espera que o guardião da moeda seja frouxo na proteção do poder aquisitivo da moeda. É até certo ponto admissível que os generais gostem da guerra. Mas é preciso ser igualmente conservador e cauteloso com o modelo que o Banco Central dispõe para guiá-lo em decisões tão cruciais para a produção e o emprego do país.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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