UOL


São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Ajustes para a agenda da América Latina

JOHN WILLIAMSON
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Há 13 anos, quando a América Latina emergiu da crise de dívida e o Muro de Berlim despencou, havia grande consenso quanto aos elementos principais da agenda política que os países latino-americanos precisavam adotar. Como os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), onde esses objetivos são aceitos há décadas, os países latino-americanos precisavam se estabilizar, liberalizar e abrir suas economias ao comércio externo e ao investimento estrangeiro direto.
Até um determinado momento dos anos 80, essas idéias não eram parte da sabedoria dominante nos países em desenvolvimento. Antes delas havia uma espécie de apartheid intelectual, que sustentava que políticas muito diferentes eram necessárias nos países em desenvolvimento.
Para convencer uma Washington cética de que as políticas estavam mudando, defini critérios sob os quais determinar o progresso nas reformas políticas, e batizei essa agenda de "Consenso de Washington".
Para minha surpresa, o termo adquiriu vida própria. Nos primeiros dias, os reformistas o usavam como um distintivo de honra, que os associaria ao lado que acabara de vencer a guerra fria. Mas outros se ressentiam da classificação como se sugerisse que lhes fora imposta por Washington, em lugar de adotada por motivos de interesse nacional.
Os oponentes da reforma aproveitavam com alegria esse ressentimento em uma tentativa de desacreditar as reformas, e reinterpretavam o termo para implicar uma agenda distintamente mais direitista, que incluía um papel mínimo para o Estado e uma rápida eliminação dos controles sobre o capital. É a esse espantalho que os inimigos da reforma atribuem os resultados econômicos decepcionantes dos últimos anos: crises repetidas, baixo crescimento, ascensão da pobreza e uma perpetuação das notáveis disparidades de renda da região.
Isso é ridículo. A tragédia argentina, por exemplo, não foi causada pela liberalização das importações, ou pela privatização, mas por duas decisões fatais.
Uma foi a tentativa de vincular o peso firmemente ao dólar, que se provou desastrosa devido à desvalorização do real brasileiro e à levitação do dólar. A segunda foi a decisão de desperdiçar dinheiro quando a Argentina era a queridinha de Wall Street, em vez de reduzir a dívida a um nível seguro. Já que taxa de câmbio competitiva e disciplina fiscal eram dois dos "dez mandamentos" do Consenso de Washington, considero absurdo que ele seja culpado pela crise argentina.
Mesmo assim, os resultados econômicos na América Latina foram decepcionantes, não importa o critério de avaliação. Portanto, parecia ser hora de reexaminar a agenda política que a região deveria estar seguindo.
A agenda resultante ["After the Washington Consensus: Restarting Growth and Reform in Latin America"" difere do Consenso de Washington original por dois motivos. Primeiro, o tempo passou e algumas reformas (como a liberalização do investimento estrangeiro direto) já foram realizadas, enquanto novas prioridades se tornaram evidentes.
Segundo, o Consenso de Washington original era uma tentativa de destilar os pontos que obtinham consenso entre os envolvidos na discussão política, e isso o tornava menos amplo do que gostaríamos. O esforço mais recente é a agenda política que gostaríamos de ver adotada.
A nova agenda não rejeita o Consenso de Washington, embora possa haver necessidade de corrigir detalhes. Pelo contrário, enfatiza a necessidade de avançar na liberalização, em certas dimensões, como a da flexibilização dos mercados de trabalho. Reconhece, porém, a necessidade de complementar essas reformas pela construção, ou reforço, das instituições de que um Estado inteligente necessita.
Outro tópico que recebe atenção é a necessidade de tornar as economias da região menos propensas a crises. É preciso mais disciplina quanto à dívida do setor público, a fim de oferecer maior latitude para uma política fiscal que se oponha aos ciclos da economia, quando necessário.
Um aspecto final e crucial de ajuste é a busca de uma menor desigualdade de renda, acompanhada de crescimento mais rápido. Instrumentos tributários (como o uso de impostos imobiliários para financiar os governos locais) podem ajudar, mas precisam ser acompanhados de esforços para dar aos pobres os ativos (educação, terra, microcrédito) de que necessitarão para abrir caminho rumo ao fim da pobreza.


John Williamson é pesquisador sênior do Instituto de Economia Internacional, de Washington.

Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Águia abatida: Retomada dos EUA ainda é incógnita
Próximo Texto: Mídia: Murdoch realiza sonho ao comprar Hughes
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.