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São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A roupa nova do rei

BENJAMIN STEINBRUCH

Desapontado com a decisão do Banco Central de manter a taxa de juros em 26,5%, fui buscar nos escaninhos da infância um livrinho colorido do genial dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875). Título: "A Roupa Nova do Rei".
Conta Andersen que, muitos anos atrás, um rei gostava muito de exibir suas roupas. Achava importantíssimo vestir-se bem e não dava ouvidos a conselheiros que lhe sugeriam preocupar-se mais com outras coisas. Um belo dia, chegaram ao palácio alguns visitantes estrangeiros, entre eles dois trapaceiros que se apresentaram como hábeis tecelões das mais finas fazendas coloridas do mundo.
Segundo alardeavam, os tecidos que faziam eram especiais e tinham a característica mágica de parecer invisíveis às pessoas incompetentes ou pouco inteligentes. O rei entusiasmou-se com os dois visitantes, ofereceu-lhes luxuosas instalações e os contratou a peso de ouro. Imaginou que poderia usar o tecido mágico para identificar seus subalternos inteligentes e livrar-se dos tolos.
Os espertalhões prepararam então dois teares, começaram a tecer e passaram toda a noite no trabalho.
De manhã, o rei chamou seu mais credenciado ministro, o da Fazenda, a quem mandou verificar o andamento do trabalho. Ao entrar no salão dos teares, o ministro ficou assustado, porque não via nada, embora os artesãos simulassem manipular o tecido produzido. Mas não disse uma palavra. Fingiu apreciar o padrão das cores e a leveza do fio e voltou ao gabinete do rei para elogiar as maravilhas do trabalho.
No dia seguinte, o rei mandou outro ministro verificar o trabalho e recebeu informações semelhantes. O tecido era realmente muito bonito, de qualidade nunca vista.
O soberano decidiu então verificar pessoalmente a maravilha que estava sendo produzida. Ao chegar ao salão, viu os teares vazios, mas procurou disfarçar. Afinal, não confessaria publicamente sua ignorância. Ao lado dele, todos os principais membros da corte olhavam admirados. Sem exceção, elogiavam o resultado do trabalho e insistiam em que o rei mandasse fazer uma roupa com aquela fazenda especial, que pudesse ser usada na parada real marcada para o dia seguinte.
Hans Christian Andersen conta que o rei, vaidoso, concordou na hora com a sugestão dos súditos. Os próprios tecelões trabalharam mais uma noite inteira, fingindo cortar cuidadosamente os tecidos e confeccionar a roupa. Na hora de experimentá-la, o monarca olhou para o espelho e não viu nada, apenas seu corpo nu. Mas todos os cortesãos fizeram largos elogios à vestimenta.
A história se espalhou pela cidade e toda a população foi às ruas para ver a maravilhosa roupa nova do rei.
Imponente, o rei saiu marchando à frente da parada. Um ministro abaixou-se, fingiu pegar alguma coisa e o acompanhou como se carregasse a cauda do manto. A multidão olhava atônita, não via a roupa, mas aplaudia efusivamente. Até que um menino gritou: "O rei está nu".
Ao ver que o garoto falava a verdade, o rei teve um arrepio, ficou envergonhado, mas marchou de cabeça erguida até o fim da parada. E o fiel ministro continuou carregando a cauda que não existia.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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