São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2008

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Projeto de fundo soberano impõe dilema ao governo

Proposta de Mantega de usar recursos como um seguro para momentos difíceis perde força

Conselheiros de Lula avaliam que, em vez de criar o fundo, um aumento do superávit primário pode proporcionar benefícios mais imediatos

SHEILA D'AMORIM
VALDO CRUZ

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O dilema do governo em entrar ou não para o clube dos emergentes que têm o seu próprio fundo de investimento no exterior está entre fazer o sacrifício de poupar hoje para momentos difíceis que possam vir no futuro ou aumentar o superávit primário para colher, agora, os benefícios de sinalizar uma política fiscal austera para o mercado financeiro.
Nos últimos dias, a segunda opção ganhou força. Os conselheiros do presidente insistem em que, em vez de deixar um "seguro contra quedas na arrecadação" para seu sucessor, é mais eficaz melhorar o perfil do gasto público, elevando a economia para pagar juros que incidem sobre a dívida pública e ajudando a controlar a inflação diante do maior crescimento da economia. Isso, argumentam, abriria espaço para o Banco Central voltar a reduzir juros mais rapidamente.
O caráter fiscal que o ministro Guido Mantega (Fazenda) tentou dar ao novo fundo soberano -que ainda não foi sequer formalizado no papel- tem sido detonado nos bastidores do governo. Segundo a Folha apurou, a avaliação é que, da forma como foi prometido, o fundo "não tem nada de fiscal" e também não fará com que a equipe econômica colha os benefícios normalmente conseguidos no mercado financeiro quando o governo anuncia um superávit primário maior.
A análise é que, para ser um fundo fiscal, com características de uma poupança pública para ser usada no futuro, diante de eventos que reduzam a arrecadação do governo, o novo fundo não poderia ser feito com aumento de superávit.
Na verdade, ao transferir a arrecadação que superar as expectativas por causa do crescimento econômico para o fundo, a equipe econômica geraria uma despesa primária.
No futuro, quando o governo tivesse queda de arrecadação, por retração na economia ou algum problema eventual, seria possível resgatar essa aplicação, gerando uma receita que iria engordar os cofres públicos nesse período. Essa é considerada a lógica de uma reserva de poupança fiscal.
Ao decidir na semana passada adiar o envio do projeto do fundo soberano ao Congresso, o presidente Lula comentou ter considerado "muito complexo" o mecanismo elaborado no Ministério da Fazenda.
Lula chegou a dizer a Mantega que "não foi isso que combinamos". Ele tem dúvidas sobre o uso do superávit primário para formar o caixa do fundo.
O presidente continua apostando na criação do fundo e deseja rediscutir o seu formato com Mantega, o que pode ficar para a próxima semana, já que Lula passará boa parte desta semana viajando.
Segundo um assessor de Lula, o ministro pode até convencê-lo de que o mecanismo proposto é o melhor, apesar das críticas que têm sido feitas por economistas de dentro e fora do governo.
Conversando com empresários ontem, Mantega rebateu algumas críticas que o projeto do fundo tem recebido, ressaltando as suas vantagens indiretas. "Quando começamos a acumular um volume elevado de reservas internacionais, também houve reclamações. Mas as reservas ajudaram a reduzir o risco-país, o custo de captação no exterior e contribuíram para que alcançássemos o grau de investimento. É melhor utilizarmos os recursos, agora, para ajudar as empresas brasileiras através do câmbio ou do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]", disse.


Colaborou a Reportagem Local


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