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Medida areja negociação, diz ministro
CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL
O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, passou parte da
manhã de ontem examinando
com os técnicos do Departamento de Políticas e Acordos Comerciais Agrícolas as alterações que a
União Européia anunciou na sua
política agrícola.
Conclusão preliminar: "A mudança areja as negociações da Organização Mundial do Comércio.
Só não sou capaz de avaliar o grau
de refresco introduzido", diz Rodrigues.
Não é pouco, apesar da cautela
do ministro: a questão agrícola
era o grande obstáculo para que
avançassem as negociações da
chamada Rodada Doha, o mais
recente ciclo de negociações para
a liberalização do comércio no
planeta, com encerramento previsto para 2005.
O arejamento torna-se um passo ainda mais importante se for
considerado o estancamento verificado até o fim de semana, quando nova tentativa de desbloquear
a negociação fracassou em reunião no Egito.
Rodrigues acrescenta um elemento adicional para explicar o
"arejamento". Na reunião de cúpula Brasil/Estados Unidos, realizada há uma semana em Washington, o ministro brasileiro tocou com o presidente George W.
Bush no protecionismo agrícola
norte-americano.
"O presidente me disse que estava pronto para eliminar os subsídios norte-americanos desde
que a União Européia o fizesse",
relata Rodrigues.
De todo modo, o governo brasileiro ainda quer tempo para uma
leitura mais atenta e cuidadosa do
novo pacote, por mais que uma
avaliação preliminar mostre que é
positivo.
"Desvincular o subsídio da produção sinaliza que a União Européia está indo de uma política extremamente distorsiva do comércio para algo com menor grau de
distorção", diz Lino Colsera, especialista do ministério.
Toda a avaliação positiva está,
no entanto, condicionada a dois
fatores: primeiro, uma leitura
mais atenta e detalhada do pacote.
"A gente precisa ler umas quatro
ou cinco vezes, porque sempre
acha alguma surpresa a cada leitura", diz Colsera. Segundo, à
perspectiva de que os fatos correspondam à teoria.
Tradução: a grande distorção
provocada pela política européia
está dada pelo fato de que a União
Européia coloca uma pilha de dinheiro para que seus agricultores
produzam o que bem entenderem, haja ou não mercado para tal
volume.
Resultado: há inescapavelmente
um excedente que é exportado
graças a subsídios. Com isso, fica
bloqueado o acesso a terceiros
mercados mesmo de produtores
extremamente competitivos como o Brasil, que não tem, como é
óbvio, os recursos para competir
com o Tesouro europeu.
Agora, o agricultor europeu receberá seu financiamento mesmo
que não plante nem um pé de capim (salvo as exceções previstas
para trigo e cereais). Logo, em tese, não haverá excedente, porque,
se o produtor pode receber o mesmo volume de recursos sem fazer
força, não há de querer plantar.
Há, no entanto, especialistas
que contestam a teoria, por mais
lógica que pareça.
"Desde os anos 90, a União Européia vem "decupando" [o termo
técnico para desvincular subsídio
da produção] parte de seus subsídios para cereais. Mas, em vez de
cair, a produção de cereais aumentou 25%", afirma Aileen
Kwa, analista política da ONG
"Focus on the Global South", com
base em Genebra e das mais ativas
na área comercial.
Outras ONGs de peso, entre elas
a britânica Oxfam, já divulgaram
notas criticando duramente o novo pacote, qualificado pela Oxfam
de "um desastre para os pobres".
Mas a Oxfam olha as mudanças
por um ângulo inverso ao das autoridades brasileiras, preocupadas, como é natural, com o acesso
de seus produtores agrícolas ao
mercado internacional.
O olhar da Oxfam é para os produtores de países pobres, que
continuarão sem poder vender
sua produção, porque, supostamente, a produção européia não
vai diminuir com a alteração da
forma de subsídios e, por extensão, haverá excedentes a inundar
os mercados dos países da África
e do Caribe, deslocando os produtores locais.
A questão central, portanto, para avaliar o pacote, é checar se, na
prática, os produtores, podendo
ganhar sem produzir, abandonarão a produção ou não.
Mesmo assim, parece evidente
que a mudança de um modelo
fortemente distorsivo para outro,
menos distorsivo, como diz o técnico brasileiro Colsera, altera, para melhor, o ambiente para a negociação na OMC.
Para o Brasil, a mudança é fundamental porque a grande aposta
que o país pode fazer para aumentar suas exportações, no curtíssimo prazo, é justamente na
área agrícola, em que está tudo
pronto para competir globalmente, desde que o campo de jogo seja
menos inclinado a favor dos países ricos.
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