UOL


São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Medida areja negociação, diz ministro

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, passou parte da manhã de ontem examinando com os técnicos do Departamento de Políticas e Acordos Comerciais Agrícolas as alterações que a União Européia anunciou na sua política agrícola.
Conclusão preliminar: "A mudança areja as negociações da Organização Mundial do Comércio. Só não sou capaz de avaliar o grau de refresco introduzido", diz Rodrigues.
Não é pouco, apesar da cautela do ministro: a questão agrícola era o grande obstáculo para que avançassem as negociações da chamada Rodada Doha, o mais recente ciclo de negociações para a liberalização do comércio no planeta, com encerramento previsto para 2005.
O arejamento torna-se um passo ainda mais importante se for considerado o estancamento verificado até o fim de semana, quando nova tentativa de desbloquear a negociação fracassou em reunião no Egito.
Rodrigues acrescenta um elemento adicional para explicar o "arejamento". Na reunião de cúpula Brasil/Estados Unidos, realizada há uma semana em Washington, o ministro brasileiro tocou com o presidente George W. Bush no protecionismo agrícola norte-americano.
"O presidente me disse que estava pronto para eliminar os subsídios norte-americanos desde que a União Européia o fizesse", relata Rodrigues.
De todo modo, o governo brasileiro ainda quer tempo para uma leitura mais atenta e cuidadosa do novo pacote, por mais que uma avaliação preliminar mostre que é positivo.
"Desvincular o subsídio da produção sinaliza que a União Européia está indo de uma política extremamente distorsiva do comércio para algo com menor grau de distorção", diz Lino Colsera, especialista do ministério.
Toda a avaliação positiva está, no entanto, condicionada a dois fatores: primeiro, uma leitura mais atenta e detalhada do pacote. "A gente precisa ler umas quatro ou cinco vezes, porque sempre acha alguma surpresa a cada leitura", diz Colsera. Segundo, à perspectiva de que os fatos correspondam à teoria.
Tradução: a grande distorção provocada pela política européia está dada pelo fato de que a União Européia coloca uma pilha de dinheiro para que seus agricultores produzam o que bem entenderem, haja ou não mercado para tal volume.
Resultado: há inescapavelmente um excedente que é exportado graças a subsídios. Com isso, fica bloqueado o acesso a terceiros mercados mesmo de produtores extremamente competitivos como o Brasil, que não tem, como é óbvio, os recursos para competir com o Tesouro europeu.
Agora, o agricultor europeu receberá seu financiamento mesmo que não plante nem um pé de capim (salvo as exceções previstas para trigo e cereais). Logo, em tese, não haverá excedente, porque, se o produtor pode receber o mesmo volume de recursos sem fazer força, não há de querer plantar.
Há, no entanto, especialistas que contestam a teoria, por mais lógica que pareça.
"Desde os anos 90, a União Européia vem "decupando" [o termo técnico para desvincular subsídio da produção] parte de seus subsídios para cereais. Mas, em vez de cair, a produção de cereais aumentou 25%", afirma Aileen Kwa, analista política da ONG "Focus on the Global South", com base em Genebra e das mais ativas na área comercial.
Outras ONGs de peso, entre elas a britânica Oxfam, já divulgaram notas criticando duramente o novo pacote, qualificado pela Oxfam de "um desastre para os pobres".
Mas a Oxfam olha as mudanças por um ângulo inverso ao das autoridades brasileiras, preocupadas, como é natural, com o acesso de seus produtores agrícolas ao mercado internacional.
O olhar da Oxfam é para os produtores de países pobres, que continuarão sem poder vender sua produção, porque, supostamente, a produção européia não vai diminuir com a alteração da forma de subsídios e, por extensão, haverá excedentes a inundar os mercados dos países da África e do Caribe, deslocando os produtores locais.
A questão central, portanto, para avaliar o pacote, é checar se, na prática, os produtores, podendo ganhar sem produzir, abandonarão a produção ou não.
Mesmo assim, parece evidente que a mudança de um modelo fortemente distorsivo para outro, menos distorsivo, como diz o técnico brasileiro Colsera, altera, para melhor, o ambiente para a negociação na OMC.
Para o Brasil, a mudança é fundamental porque a grande aposta que o país pode fazer para aumentar suas exportações, no curtíssimo prazo, é justamente na área agrícola, em que está tudo pronto para competir globalmente, desde que o campo de jogo seja menos inclinado a favor dos países ricos.


Texto Anterior: Brasil pouco ganha com o pacote, diz CNA
Próximo Texto: Frase
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.