São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

A emenda, o soneto e a estrovenga

Meta oficial de inflação é maior que a oficiosa. Governo vai gastar mais dinheiro para fazer média e marketing, só

A NOVA META de inflação é um exemplo típico do método Lula de tomar decisões. Trata-se do jeito muito brasileirinho de acomodar conflitos, de optar pela média das opiniões divergentes, de fazer média. É a tradição do assoprar sem mesmo morder, do devagar e sempre das transições transadas, a flutuar nem alto no céu nem perto da terra, "vai indo que eu não vou", "deixa disso". É o conluio da cordialidade pastosa e de mentes pusilânimes contra a razão, a têmpera moral e a determinação de fazer o que deve ser feito depois de uma ponderação racional e disciplinada das circunstâncias e das vantagens e desvantagens dos possíveis rumos de ação.
É explicação "culturalista"? "Política é assim mesmo"? Considere a ambivalência espertinha dos acordos políticos de Lula 1 ou das promessas salariais para fazer média com servidores (inviáveis, não cumpridas e enroladas). Considere as ações e o chororô público contra o "spread" bancário, melhor dizer protelações (como conta-salário e cadastro positivo, travadas pelo lobby discreto dos bancos). Considere a embromação no tumulto dos aeroportos e a do fiasco ambiental e administrativo na energia. Oh, quanto riso, oh, quanta cascata, somos mil palhaços no salão (de embarque de aeroportos ou da ante-sala do apagão). Essa delonga espertinha é inépcia, não é política.
Mas, sim, falava-se de inflação de preços, não de procrastinações manhosas. Lula decidiu que a meta de inflação fica oficialmente em 4,5% até 2009. Havia defensores da redução da meta para 4% (caso de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, e Paulo Bernardo, ministro do Planejamento) ou até menos.
Havia bons argumentos econômicos e políticos para mudar ou não a meta, havia interesses num e noutro tipo de decisão. Na prática, porém, a decisão oficial foi atropelada pela decisão oficiosa, que transpareceu nas declarações da cúpula econômica de Lula ao divulgar a nova meta.
Lula, o obsequioso, quis agradar a gregos e baianos. Meirelles deu a entender que aquilo que se suspeitava ser a meta de inflação oculta e informal do BC, uns 3,5%, foi chancelada num papão com o presidente -é a meta do cafezinho no Planalto.
Guido Mantega posou de vitorioso, pois defendia a meta que foi aprovada, mas não tem influência prática na meta "real" -fez a meta "pra galera" (mas não para a galera do mercado, que é quem vai cobrar a fatura). Para piorar, deu um "saludo a la bandera" para a concordata econômica do segundo mandato de Lula, entre ele e Meirelles, dizendo que a "orientação" é perseguir inflação abaixo da meta. Oh, cáspite, se essa é a orientação, que se baixasse a meta!
De outro modo, não deitam na cama mas levam a fama.
Um cidadão prestante pode não gostar do regime de metas de inflação. Mas um regime de metas meia-boca é apenas um desperdício de inteligência, de políticas e, enfim, de dinheiro. Incerteza quanto às metas faz apenas os detentores de dinheiro, sempre conservadores, elevar suas estimativas de custos derivados da inflação e, assim, o custo do crédito (juros). Perseguir uma meta menor que a oficial é jogar dinheiro fora, também é chancelar expectativas de preços e juros desnecessariamente mais altos. É uma piada isso.


vinit@uol.com.br

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