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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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NEGÓCIOS

Clima de terror no exterior e combate à violência no Brasil aumentam ganhos da Taurus, maior fabricante do país

Insegurança eleva lucro com armas

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em meio ao clamor pelo fim da violência no Brasil e a tramitação no Congresso de projeto de lei que restringe o uso de armas, revólveres e pistolas têm sido um ótimo negócio -ao menos para quem os produz.
Terceira maior fabricante de armas leves no mundo, a Taurus, sediada no Rio Grande do Sul, dobrou exportações e elevou os lucros em 2002, ano em que governadores decidiram aumentar o tom de seus discursos antiviolência e os gastos com segurança.
A Taurus também faz parte do seleto rol de empresas com ações entre as mais valorizadas no ano passado: os papéis ficaram em 10º lugar entre os de 390 empresas da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), com uma alta de 179%.
Os números impressionam, apesar de o grupo gaúcho, que tem 90% de participação no mercado interno, estar associado a estatísticas mais negativas.
Das 42.965 armas apreendidas no Rio de Janeiro entre 1999 e 2003, 86,7% foram feitas pela empresa ou pela Rossi, outra fabricante cuja divisão de armas foi associada à da Taurus, em 97.
Cerca de 65% das armas apreendidas no Rio de 1950 a 2001 nunca tiveram registro no Estado, segundo estudo de Patricia Rivero, pesquisadora do Iser (Instituto de Estudos da Religião).
Embora não afetem vendas da companhia, as estatísticas preocupam especialistas em criminalidade por um aspecto curioso.
Como a esmagadora parcela das vendas da Taurus no Brasil é dirigida ao poder público (polícias), presume-se que tenham sido desviadas do Estado para o submundo. Ou, como suspeitam especialistas, tenham sido exportadas e reingressado no país ilegalmente, fenômeno também verificado com as exportações de cigarros.

Paraguai
Entre 1989 e 2000, o Paraguai foi o quarto principal destino de armas leves do país. Boa parte dessas armas, indica estudo realizado pelo sociólogo Ignacio Cano, professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), foi vendida para brasileiros.
Das 1.758 armas vendidas a brasileiros entre 98 e 99, 40% eram fabricadas pela Taurus e 29% pela Rossi. A campeã das vendas, apurou o sociólogo, foi a pistola Taurus 9 milímetros, de uso restrito a militares no Brasil.
"Como resultado, as pistolas entram e permanecem no Brasil ilegalmente", concluiu o estudo.
Tampouco influenciaram negativamente as vendas da empresa o fato de crimes notórios terem sido cometidos no Brasil por armas fabricadas pela companhia.
Um caso emblemático foi o da estudante de enfermagem Luciana Gonçalves de Novaes, 19. Ela foi atingida por um tiro disparado de uma Taurus 100, de uso exclusivo da Polícia Militar e da Polícia Civil, no campus da Universidade Estácio de Sá (Rio), em maio.
O país gasta 10% do PIB com vítimas de violência. Cerca de 60% dessas pessoas foram atingidas por armas de fogo, segundo estudo realizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2001.

Ganhos
A ironia é que a violência que assola o país ajuda a fomentar os lucros da própria empresa.
O ganho líquido da Taurus no ano passado bateu os R$ 48,049 milhões, um aumento de 72,54% em relação a 2001. "As vendas internas da empresa, que são realizadas em sua maioria para o poder público, cresceram em 2002 por causa do aumento da insegurança no país", aponta André Moura, analista da corretora Pilla.
Mas o negócio vem crescendo há mais tempo: de 97, quando o lucro da empresa era de R$ 6 milhões, para 2002, o aumento do lucro médio anual foi de 40%.
O grande ganho da Taurus, que vende 94% de sua produção em armas curtas (pistolas e revólveres), resulta das exportações.
As vendas externas vem sendo estimuladas nos últimos anos pela desvalorização do real e pelo clima de insegurança no principal destino, EUA, depois dos atentados terroristas do 11 de Setembro.
A participação das vendas externas na receita líquida da empresa era de 52,8% em 97. O índice foi aumentando ano a ano e em 2002 ficou em 74%, com US$ 38,1 milhões exportados.
Em 2003, apesar do impacto negativo que projetos de lei de desarmamento podem provocar, a estimativa é que o lucro deva aumentar para R$ 49 milhões.
Nos primeiros três meses deste ano, o ganho da empresa aumentou para R$ 7,1 milhões -crescimento de 26% em relação ao mesmo período do ano passado.
Do total das vendas, 22% são provenientes da comercialização com o poder público -a empresa abastece Polícia Militar e Polícia Civil, entre outros órgãos- e apenas 3% de pessoas físicas.
A pressão da opinião pública dos Estados Unidos e do Brasil fez com que as exportações para o Paraguai caíssem nos anos seguintes, até se reduzir a zero.
Mas a suspeita da polícia é que o crime organizado tenha conseguido burlar o fechamento desse canal. As armas exportadas legalmente para Argentina e Estados Unidos, por exemplo, seriam enviadas ilegalmente para o Paraguai e compradas por brasileiros.
"Parte das armas brasileiras exportadas acaba voltando. Os criminosos estão interessados principalmente nas armas de maior poder de fogo, restritas no Brasil", diz José Milton Rodrigues, coordenador-geral de defesa institucional da Polícia Federal.
Segundo o sociólogo Cano, houve suspeitas de que algumas exportações de armas brasileiras fossem fictícias. "Mas isso não foi provado", diz o especialista.


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