São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Financiamento brasileiro

BENJAMIN STEINBRUCH

As turbulências quase insuportáveis que vivemos nos últimos meses não podem desviar o foco de nossas atenções daquele que continua sendo o problema central da economia brasileira: a falta de crescimento da produção e do emprego.
No artigo com o qual saudei aqui na Folha o Ano Novo, lembrei que o maior desafio brasileiro não era a Copa do Mundo nem a eleição presidencial, mas sim devolver a esperança aos brasileiros. Passada a Copa e em plena campanha eleitoral, continuo com a mesma convicção. A redução da miséria, a melhoria da saúde e da educação e a diminuição das tensões sociais exigem um pensamento fixo no desenvolvimento.
Sabemos há muito tempo que a anemia econômica por que passa o país tem origem em um problema estrutural, que é a falta de crédito e o altíssimo custo dos recursos disponíveis. Sem crédito não há investimentos e sem investimentos não há crescimento da produção e do emprego.
Volto a esse tema para comentar uma contribuição valiosa do professor Alberto Borges Matias. Em análise publicada no anuário "Valor Financeiro", ele mostrou que a relação entre o PIB (Produto Interno Bruto) e o crédito no Brasil é de apenas 28%. Isso significa que o volume de financiamento colocado à disposição da produção no país é incrivelmente inferior ao de outros países com os quais competimos no mercado internacional. Na Espanha e no Canadá, por exemplo, o índice atinge 100% do PIB.
Além de escasso, o crédito é caríssimo. Os gastos das empresas brasileiras com o pagamento de juros representam cerca de 9% de sua receita total, enquanto as companhias estrangeiras despendem apenas 1%. É óbvio que esse alto custo está na base do problema do desenvolvimento nacional, porque inviabiliza os investimentos.
Enquanto o setor produtivo sofre com os juros elevados, o setor financeiro apresenta altíssimas taxas de rentabilidade quando comparadas com as de instituições internacionais. Os bancos nacionais têm rentabilidade média de 16% do patrimônio em comparação com 11% de seus congêneres estrangeiros.
É bom para a saúde do sistema financeiro que os bancos tenham esse nível de rentabilidade, mas o estudo do professor Matias mostra uma saída que poderia permitir ao mesmo tempo a manutenção da rentabilidade e o alívio para o setor produtivo tomador de crédito. Ele mostra que os bancos ganham muito mais dinheiro com o "spread" cobrado, ou seja, com a diferença entre o que pagam para captar recursos e o que cobram nos empréstimos, do que com o volume de crédito concedido. O "spread" médio no Brasil é de 32% ao ano, contra apenas 11% no exterior. A saída, então, seria o estímulo ao aumento do volume de crédito.
Certamente, no meio das turbulências atuais, há pouco espaço para medidas voltadas a esse objetivo. As empresas em geral estão concentradas na redução desesperada de custos, o que provoca mais desemprego, e o setor financeiro também vive momentos de ansiedade com as perspectivas de curto prazo. Mas isso não deve impedir a análise e a proposição de medidas para sanear esse problema estrutural do financiamento brasileiro, principalmente neste momento em que o país se prepara para eleger um novo governo.
Depois que passarem as turbulências e as eleições, o problema do crédito interno precisa ser enfrentado com seriedade. Esse não é o único entrave ao crescimento da produção e do emprego. Há outros, também importantes, como a falta de estímulos à exportação e o alto peso dos impostos sobre a produção. Mas, sem atenção para o crédito, o país não deixará de patinar.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Pessimismo europeu gera mal-estar em NY
Próximo Texto: Panorâmica - Energia: Luz sobe 14,2% no interior de SP e em MS
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.