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São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O futuro em aberto

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Não é difícil imaginar por que tanta excitação com a possível retomada do crescimento. Afinal, há 23 anos não se verifica crescimento sustentado neste país, o desemprego urbano está muito elevado e o estado de espírito de amplos segmentos das lideranças empresariais, até ontem, pelo menos, dificilmente poderia ser pior. Não é demais lembrar, além disso, que até muito recentemente se ouvia dizer que, sem mudança do "modelo", não haveria crescimento.
Mas a ansiedade em torno da possível retomada do crescimento poderia também ser explicada por um outro motivo, e é para ele que pretendo chamar a atenção.
Mudou enormemente, nas últimas décadas, o panorama mundial do crescimento. No passado (digamos, até a 2ª Guerra Mundial), a maioria das economias crescia insignificantemente a cada ano e umas poucas atingiam índices de crescimento considerados elevados: 2% a 4% ao ano. Esta última taxa foi alcançada pelos EUA no final do século 19, em plena Segunda Revolução Industrial e com a chegada em massa de emigrantes da Europa. Recentemente, contudo, surgiram fenômenos completamente novos. Países crescem a 9%, 10% ao ano, sendo que essa última cifra implica dobrar o tamanho da economia em sete anos! Diversos têm atingido 7% (dobrando de tamanho a cada dez anos). E até mesmo a superpotência norte-americana expandiu-se a cerca de 4% ao ano na segunda metade da década passada.
Mas as novidades não são apenas positivas. A história recente registra casos de economias que regrediram 1,5% anualmente durante 10 a 15 anos (o Zaire seria um caso) e até mesmo de economias que implodiram, como a soviética.
Em resumo, contemporaneamente, o tamanho da economia passa a ser, literalmente, uma variável.
Até recentemente os economistas não tinham como posicionar-se acerca desses novos fenômenos -e muito especialmente acerca dos índices negativos ou, contrariamente, muito elevados de crescimento. Mesmo hoje é muito pouco o que se sabe a esse respeito. Mas, com o ingresso (imposto, em certa medida, por esses mesmos eventos) de temas como instituições e transferência de conhecimento para as economia atrasadas, vai se formando um corpo de conhecimentos úteis. Perduram, no entanto, graves divergências. O espantoso crescimento sul-coreano de 1960 a 1990, por exemplo, foi tratado por Krugman como um caso de acumulação forçada de capital (sem aumento de produtividade e semelhante ao ocorrido na URSS) e por Alice Amsden como um caso exemplar de assimilação de técnicas e de conhecimento.
Mais recentemente Sanjaya Lal tratou de mostrar ("The Tecnological Response to Import Liberalization in Sub-Saharan Africa") que, não tendo logrado assimilar/dominar as modernas tecnologias com que passavam a lidar, diversas economias da África (Quênia e Gana entre elas) não lograram ultrapassar o estágio de crescimento em que meramente se aproveitam as vantagens absolutas trazidas pelas novas técnicas.
Como posicionar-se, à luz do que acaba de ser dito, acerca da retomada do crescimento que aparentemente tem início neste país? Sugiro, para tanto, que o desempenho daqui para diante seja concebido em três etapas.
A primeira é a da retomada, que possivelmente já está nas ruas. Essa fase é em boa medida automática, uma vez retirada a tranca dos juros e, com isso, melhoradas as expectativas e desreprimida a demanda, especialmente de bens de consumo duráveis. Ela não supõe ou requer investimentos.
A seguir viria o crescimento -e aqui teria início um embate entre os fatores que o realimentam (crescimento gera crescimento) e tudo aquilo que emperra a expansão (lança areia nas rodas da indústria era a velha imagem a esse respeito). Nessa fase reduz-se a automaticidade das respostas, empresários devem basear suas decisões sobre conjecturas e ganham importância diversas políticas de governo.
A questão da velocidade do crescimento remete então à terceira questão: a da trajetória de crescimento. O Brasil já foi tigre (de 1950 a 1980), enquanto a Índia era uma pacata baleia. Hoje, a Índia vem crescendo a vistosos 6% ao ano. Que será da economia brasileira?
Primeiramente, e à luz do que ocorre no mundo, o leque de possibilidades é amplo. Nada na terceira etapa é automático. Depende da capacidade de adaptar e recriar soluções e conhecimento. De pouco ou nada servem estatísticas baseadas em projeções a partir dos últimos 20 anos, pesadamente influenciados pela incessante turbulência e a retranca macroeconômica. Também não adianta supor que seja possível repetir os anos dourados da montagem do parque industrial. Naquele tempo bastava copiar. Agora, se parte de muito mais alto -e não há um objetivo óbvio, como a montagem de um parque industrial moderno. Possivelmente nunca foi tão necessário construir imagens do futuro desejado.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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