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São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2003

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LUÍS NASSIF

O diplomata e o frei

Aclamado , após sua morte, como um dos baluartes da paz mundial, o diplomata Sérgio Vieira de Mello conseguia se indignar como poucos quando se considerava injustiçado no seu trabalho. Em 2001 uma polêmica sua com Frei Betto é reveladora de sua personalidade, um guerreiro com uma capacidade de reação em muito diferente do que se supõe ser o perfil de um diplomata.
Frei Betto publicou uma coluna no jornal "O Globo", com base em uma carta de uma missionária leiga católica que atuava no Timor Leste, aparentemente enviada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Sob o título "Intervenção Branca no Timor Leste", a carta encampava uma série de acusações contra a missão da Organização das Nações Unidas.
Segundo a missionária, "toda a ajuda que vem de fora fica nas mãos da Untaet. É uma mina de ouro. Técnicos, tropas, intelectuais e funcionários estrangeiros vêm fazer turismo na ilha, ganhando muito dinheiro. (...) Aqui virou cabide de empregos para estrangeiros. (...) Começa a despontar a prostituição, é claro! Eles têm os dólares. (...) Fazem crer ao mundo que são nobres e servidores, a serviço da paz e da reconstrução do país. Mentirosos!". Falava também de atropelamentos que ficavam impunes e ia por aí afora.
A resposta do diplomata foi publicada no dia 9 de abril de 2001. Sabia bater duro: "O fato de o senhor ser um religioso e chamar-se Frei Betto não lhe confere o direito de propagar difamações. Pelo contrário, impõe-lhe o dever de apurar os fatos antes de vilipendiar uma instituição -a ONU-, sua missão em Timor Leste -Untaet- e todo o seu pessoal, a começar pelo subscrito. Fiz questão de lhe responder do meu próprio punho -o que explica a demora-, pois queria dizer-lhe o quanto me chocou sua indignidade".
A partir daí, o diplomata lista os dez pontos de crítica e vai rebatendo um a um.
"Sou, com muito orgulho, funcionário de carreira da ONU, desde que deixei a universidade, há 31 anos. Servi -ou, segundo sua informante, passei deleitáveis férias- em paraísos turísticos como Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique, Peru, Líbano, Camboja, Bósnia, Ruanda, Kosovo e, desde novembro de 1999, Timor Leste. (...) Deixei meu cargo em Nova York e vim para Dili porque acreditava na causa deste povo sofrido."
"(...) Chefio, com humildade, esta missão e assumo todos os seus erros. Tivemos que improvisar e, com escassos recursos, criar um governo num ambiente de desolação. Não venha o senhor nos insultar, comodamente, à distância. (...) O seu artigo e a carta de A.M. dão a impressão de que somos parasitas, que vivem em palácios luxuosos, e criminosos, que matam impunemente crianças (...)."
E vai adiante: "(...) Não sirvo à ONU há mais de três décadas para engolir desaforos gratuitos de ninguém". E termina com um convite: "Frei Betto: encaminhe esta resposta à sua fonte e diga-lhe que a receberei com atenção e carinho, tão logo ela tenha a cortesia de dirigir-se a mim. É o que faço com qualquer pessoa que me solicita".
Não foi necessário. A história se encarregou de corrigir a versão.

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