|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O diplomata e o frei
Aclamado , após sua morte, como um dos baluartes
da paz mundial, o diplomata
Sérgio Vieira de Mello conseguia se indignar como poucos
quando se considerava injustiçado no seu trabalho. Em 2001
uma polêmica sua com Frei
Betto é reveladora de sua personalidade, um guerreiro com
uma capacidade de reação em
muito diferente do que se supõe ser o perfil de um diplomata.
Frei Betto publicou uma coluna no jornal "O Globo", com
base em uma carta de uma
missionária leiga católica que
atuava no Timor Leste, aparentemente enviada pela
CNBB (Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil). Sob o título "Intervenção Branca no
Timor Leste", a carta encampava uma série de acusações
contra a missão da Organização das Nações Unidas.
Segundo a missionária, "toda a ajuda que vem de fora fica nas mãos da Untaet. É uma
mina de ouro. Técnicos, tropas, intelectuais e funcionários
estrangeiros vêm fazer turismo
na ilha, ganhando muito dinheiro. (...) Aqui virou cabide
de empregos para estrangeiros.
(...) Começa a despontar a
prostituição, é claro! Eles têm
os dólares. (...) Fazem crer ao
mundo que são nobres e servidores, a serviço da paz e da reconstrução do país. Mentirosos!". Falava também de atropelamentos que ficavam impunes e ia por aí afora.
A resposta do diplomata foi
publicada no dia 9 de abril de
2001. Sabia bater duro: "O fato
de o senhor ser um religioso e
chamar-se Frei Betto não lhe
confere o direito de propagar
difamações. Pelo contrário,
impõe-lhe o dever de apurar os
fatos antes de vilipendiar uma
instituição -a ONU-, sua
missão em Timor Leste -Untaet- e todo o seu pessoal, a
começar pelo subscrito. Fiz
questão de lhe responder do
meu próprio punho -o que
explica a demora-, pois queria dizer-lhe o quanto me chocou sua indignidade".
A partir daí, o diplomata lista os dez pontos de crítica e vai
rebatendo um a um.
"Sou, com muito orgulho,
funcionário de carreira da
ONU, desde que deixei a universidade, há 31 anos. Servi
-ou, segundo sua informante, passei deleitáveis férias-
em paraísos turísticos como
Bangladesh, Sudão, Chipre,
Moçambique, Peru, Líbano,
Camboja, Bósnia, Ruanda,
Kosovo e, desde novembro de
1999, Timor Leste. (...) Deixei
meu cargo em Nova York e
vim para Dili porque acreditava na causa deste povo sofrido."
"(...) Chefio, com humildade,
esta missão e assumo todos os
seus erros. Tivemos que improvisar e, com escassos recursos,
criar um governo num ambiente de desolação. Não venha o senhor nos insultar, comodamente, à distância. (...) O
seu artigo e a carta de A.M.
dão a impressão de que somos
parasitas, que vivem em palácios luxuosos, e criminosos,
que matam impunemente
crianças (...)."
E vai adiante: "(...) Não sirvo
à ONU há mais de três décadas
para engolir desaforos gratuitos de ninguém". E termina
com um convite: "Frei Betto:
encaminhe esta resposta à sua
fonte e diga-lhe que a receberei
com atenção e carinho, tão logo ela tenha a cortesia de dirigir-se a mim. É o que faço com
qualquer pessoa que me solicita".
Não foi necessário. A história
se encarregou de corrigir a versão.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Opinião econômica: O futuro em aberto Próximo Texto: Consumidor: Governo tenta evitar abusos na troca de planos de saúde Índice
|