São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A política econômica do PT

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O grande favoritismo de Lula na corrida presidencial de outubro próximo está provocando um verdadeiro terremoto nos mercados financeiros. Os melhores exemplos dessa situação de instabilidade ocorrem nos mercados de câmbio e de títulos de nossa dívida externa. A cotação do real em relação ao dólar chegou a níveis irracionais, nos últimos dias. Essa desvalorização acelerada ocorre em razão de arbitragens com nossos títulos negociados no exterior, que estão sendo vendidos com enormes descontos por bancos internacionais assustados com o Brasil, e da especulação com uma eventual moratória externa.
Neste período de nervosismo a grande questão, que mobiliza a atenção dos agentes econômicos, passou a ser a especulação sobre a política econômica do novo governo. O mercado quer conhecer seus detalhes e os nomes que irão compor uma possível equipe de Lula presidente. Em recente entrevista ao jornal "O Estado de S.Paulo", o candidato de oposição negou qualquer possibilidade de uma equipe econômica de transição, esperada até agora por alguns analistas, que incorporaria alguns técnicos ligados ao governo atual. Lula reafirmou que vai trabalhar com uma equipe puro-sangue petista.
Essa é uma pista importante. O governo do PT terá uma política econômica que vai refletir a sua visão de mundo e suas idéias sobre o que seja uma economia de mercado, em um país com as características do Brasil. Sinaliza que vai promover uma guinada de 180, em relação aos anos FHC. Durante a entrevista a "O Estado de S.Paulo", liberto dos controles artificiais de Duda Mendonça, Lula expressou de maneira muito clara suas idéias sobre economia. Para um analista atento, as palavras do candidato foram reveladoras sobre os novos tempos, que estão para vir. E mostraram que a política do "senta que o leão é manso", adotada em relação aos mercados -no mesmo dia da entrevista de Lula, seu provável ministro da Fazenda fazia um discurso conciliador com grandes bancos e investidores-, é falsa.
Peço licença para fazer algumas divagações sobre as relações entre o que se chama de teoria econômica e a política econômica de um governo no poder. Essa discussão é fundamental para entender o desenho da política econômica de Lula presidente. A teoria econômica representa o conjunto de idéias e princípios sobre o funcionamento de um sistema econômico de um determinado grupo de pessoas ou de um partido político. São as chamadas escolas de pensamento econômico.
A ciência econômica, no seu início apenas um conjunto de valores ligados ao comportamento humano, evoluiu muito a partir da segunda metade do século passado. Hoje ela trabalha com conceitos macroeconômicos precisos e com modelos quantitativos sofisticados, que permitem entender de forma mais científica o funcionamento das economias de mercado modernas. Com isso, o espaço para a existência de diferentes escolas de pensamento econômico diminuiu muito, e as divergências que caracterizam as relações entre os economistas passaram para o nível do que estamos chamando aqui de política econômica. Não são os conceitos mais gerais da teoria econômica que dividem os debates, mas a leitura das dificuldades encontradas na sua aplicação em um mundo imperfeito e que apresenta distorções graves em relação ao modelo puro considerado na teoria.
Na hipótese da vitória de Lula, a mudança na condução de nossa economia será radical, como já disse. A escola de pensamento econômico que servirá de base para a ação do novo governo é outra, e seus princípios teóricos estão em oposição aos que têm determinado as políticas econômicas, dos últimos anos. Ela pode ser chamada de pós-keynesiana, apareceu na Inglaterra depois da Segunda Guerra Mundial e representa um dos braços em que o pensamento de Keynes dividiu-se depois de sua morte. A outra vertente desenvolveu-se nos EUA à mesma época e representou a escola dominante nesse país, até a crise inflacionária dos anos 60. A escola inglesa, que chamava seus colegas americanos de "keynesianos bastardos", nunca foi testada realmente, apesar de ter sido importante na introdução da questão das deficiências dos mercados, como fatores de instabilidade econômica. Sua marca principal é a leitura radical que tem das instabilidades sistêmicas inerentes às economias de livre mercado e da necessidade de uma interferência continua e abrangente do Estado para corrigi-las.
No Brasil, essa corrente radical do pensamento keynesiano está representada pelo Instituto de Economia da Unicamp, em Campinas. Sua participação mais importante deu-se no governo Sarney, durante o período em que o falecido Dilson Funaro foi o ministro da Fazenda. Dividiram durante dois anos a responsabilidade pela política econômica do primeiro governo, depois de nossa redemocratização, em 1984, com a primeira geração de economistas da PUC-RJ. O Plano Cruzado e o início da modernização da institucionalidade fiscal e monetária do Brasil são os fatos mais marcantes desse período.
Agora, com a vitória do PT, se ela ocorrer, essa escola será hegemônica, e certamente a política econômica do novo governo vai refletir suas idéias principais. Para quem tem interesse em aprofundar essa possibilidade, sugiro a leitura de um pequeno mas interessante livro chamado "Controversies in Post Keynesian Economics", de Paul Davidson, publicado por Edward Elgar Publishing Limited, England.
Voltarei a esse assunto proximamente.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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