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São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2003

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Fragilidade externa ameaça expansão

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O país poderá retomar em 2004 um ritmo de crescimento próximo de 3,5% ao ano, mas estará sujeito a uma espécie de "morte súbita" a partir de 2006 se não amenizar o que economistas chamam de "vulnerabilidade externa" -a dependência de capitais estrangeiros de curto prazo que podem deixar o país da noite para o dia ao menor sinal de instabilidade.
Essa ameaça foi bastante reduzida neste ano em consequência do superávit recorde da balança comercial. O resultado deve diminuir a quase zero o déficit nas transações correntes do Brasil, conta que registra a entrada e a saída de dólares do país, incluindo o pagamento de dívidas.
O problema voltará com a reativação da economia e da demanda interna, que deve aumentar as importações e diminuir as exportações, com a consequente elevação do buraco nas transações correntes, que terá de ser coberto com capitais internacionais.
Desde a metade da década de 90, o desequilíbrio externo provocou uma sucessão de crises, que inviabilizaram trajetórias de crescimento sustentado. O PIB viveu aos soluços, intercalando períodos de expansão com outros de baixo crescimento ou estagnação.
Para economistas, o filme pode se repetir dentro de cerca de dois anos se não houver um esforço para reduzir a vulnerabilidade externa. "O ano que vem tem de ser o do dever de casa", diz Luís Suzigan, da LCA Consultores.

Diferentes receitas
As receitas para mudar a situação não são consensuais. Alguns economistas propõem o aumento das exportações e a substituição de importações em setores-chave. Outros defendem maior abertura comercial, com elevação tanto das exportações como das importações. Nos dois casos, a meta é ampliar a receita em dólares.
Para este ano, os economistas esperam um saldo comercial positivo próximo de US$ 20 bilhões. No próximo ano, ele será reduzido para algo entre US$ 16 bilhões e US$ 18 bilhões. Em 2005, o encolhimento seria ainda maior, o que acende a luz amarela para 2006.
"Quando a economia começar a crescer, muitas empresas que estão exportando com margem de lucro pequena passarão a vender no mercado interno", prevê Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular de economia da Unicamp.
Márcio Garcia, professor de economia da PUC-RJ, ressalta que a vulnerabilidade externa é algo latente, que pode ou não se manifestar, dependendo da ocorrência de turbulências externas. Ele está entre os defensores do aumento global do fluxo de comércio, que elevaria a capacidade do país de absorver choques.
Para Belluzzo, a vulnerabilidade externa é a maior pedra no caminho do crescimento sustentado.
As crises cambiais de 1999 e 2002, por exemplo, foram provocadas pela fuga de capitais que ajudavam a fechar o déficit das transações correntes. Com a revoada de recursos, o país foi obrigado a desvalorizar sua moeda, com o objetivo de elevar as exportações e obter dólares para cobrir o buraco. Como a desvalorização provocou pressões inflacionárias, o governo elevou os juros e a economia se retraiu. Essa lógica se repete em todas as crises externas.
Menos pessimista do que Belluzzo, Antonio Barros de Castro, professor titular da UFRJ, acredita que crises externas poderão ser evitadas se o governo adotar uma política industrial que privilegie as exportações e a conquista de mercados.
Fábio Silveira, da MB Associados, aponta a "atávica" dependência do Brasil da importação de insumos de alto valor agregado como indício de que poderá haver uma nova crise cambial a partir de 2006. "Se crescermos por dois anos, a importação desses insumos vai pressionar a balança comercial", afirma Silveira. Ele e Belluzzo propõem a substituição de importações como uma das saídas para o problema.
Tanto Belluzzo quanto Castro defendem a manutenção do câmbio em patamares que garantam a competitividade das exportações. Para o professor da Unicamp, isso significa um dólar bem mais caro que os atuais R$ 3. O real desvalorizado reduz o preço dos produtos brasileiros em dólar, o que estimula as vendas externas.
Mas a desvalorização é quase sempre acompanhada da pressão sobre os preços. Para evitar a alta dos juros, Belluzzo sugere a flexibilização das metas de inflação do BC. "Vivemos uma antinomia entre inflação e juros, de um lado, e redução da vulnerabilidade externa de outro."


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