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São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Consulta relâmpago compromete a boa regulação

GESNER OLIVEIRA

Há avanços e retrocessos nos anteprojetos de reforma das agências reguladoras que vieram a público na última terça-feira. O problema é que os últimos comprometem a regulação da infra-estrutura a tal ponto que os possíveis avanços ficam perdidos pelo caminho.
O governo acerta ao desejar fortalecer os mecanismos de controle social sobre as agências reguladoras. Em relação a esse ponto, o anteprojeto contém dispositivos úteis, como a obrigatoriedade de relatório anual das atividades desses organismos. Seria bom garantir para as agências aquilo que o governo quer, erroneamente, deixar de fazer com as instituições de ensino, isto é, submetê-las a regime permanente de avaliação. Que seja bem-vindo o provão das agências, mediante a publicação de indicadores objetivos de eficiência, como, por exemplo, o grau de cumprimento dos prazos. Isso reduziria uma das principais dores de cabeça do setor produtivo, que é a demora nos processos de decisão administrativa, para não falar do Judiciário! Também seria um desafio estatístico interessante construir e divulgar o índice de engavetamento de processos para constranger a morosidade.
O governo atacou finalmente a importante questão de coordenação entre os reguladores setoriais e os órgãos de defesa da concorrência e do consumidor. Porém não resolveu o problema definindo de forma clara quem decide sobre o quê. Limitou-se às frases acacianas de que é preciso promover a articulação das atividades desses organismos. De concreto, mesmo, há muito pouco.
O problema grave da proposta do governo reside na subordinação das agências aos ministério, um amargo regresso ao passado de ineficiências e loteamentos político-partidários. Mas a proposta é esperta. Não se explicita que esse é o objetivo, como é feito, por exemplo, em recente projeto da deputada Telma de Souza (PT-SP).
A intenção centralizadora e anacrônica está bem disfarçada pelos instrumentos modernosos do contrato de gestão e de uma suposta CCA (Comissão de Acompanhamento e Avaliação). Os contratos de gestão propostos objetivam compatibilizar as atividades regulatórias aos programas governamentais, confundindo a atuação técnica dos reguladores com a plataforma política do governo; o poder concedente é transferido para os ministérios setoriais, gerando conflito de interesse nos casos de Minas e Energia, que tem assento na administração da Eletrobás e da Petrobras.
A CAA, por sua vez, ficaria subordinada à administração direta com poderes que, na prática, deverão interferir nas decisões das agências reguladoras. Concentra-se, dessa forma, no Executivo uma função supervisora que seria típica de comissões especializadas do Congresso. A experiência secular dos EUA é particularmente ilustrativa a esse respeito, recomendando maior participação do Legislativo.
Além disso, ainda se reduziu discretamente em um ano o mandato dos membros das agências. E até se resgatou a figura do ouvidor do rei, indicado diretamente pelo presidente da República e encarregado de bisbilhotar o dia-a-dia dos reguladores.
Além disso, não se falou nada em dotar as agências de recursos condizentes com suas responsabilidades. Está na hora de acabar com o sem-número de secretarias e ministérios inúteis e aparelhar as agências reguladoras. E não transformá-las em aparelhos.
É muito difícil fazer gol relâmpago. Como o do atacante Nivaldo, do Atlético Mineiro, que em oito segundos abriu o marcador contra o Náutico, em 1989. O governo deveria rever o prazo dessa consulta relâmpago. Essa administração demorou nove meses para chegar a um projeto de reforma das agências reguladoras. Mas só deu sete dias para o debate. É muito pouco para um tema complexo e crucial para aquilo de que a economia mais precisa: aumentar o investimento e crescer.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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