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OPINIÃO ECONÔMICA
Sentimentos da semana
JOÃO SAYAD
Quem chega de férias tem difi
culdades para pensar e traba
lhar na primeira semana. É co
mo se as férias retirassem as
calosidades e a casca grossa que
nos protegiam das coisas de que
não gostamos, que nos criam
ansiedade, irritação ou revolta.
Na semana passada, reto
mando o trabalho, as aulas e
lendo os jornais experimentei
todos os tipos de emoção.
Raiva e sentimento de impo
tência - A liberdade de concor
rer e a criatividade dão resulta
dos espantosos. Em São Paulo,
inventamos as peruas, novo sis
tema de transporte muito con
veniente.
Os passageiros pagam tarifa
igual a do ônibus, mas viajam
sentados. Tomam o lotação em
qualquer lugar e descem em
qualquer lugar. Estão livres de
assaltos ou dos inconvenientes
do ônibus cheio, onde as mulhe
res são amassadas e os passa
geiros, muitas vezes, vítimas de
furtos ou assaltos.
Os motoristas e cobradores
têm a oportunidade de desen
volver seu próprio negócio, ga
nhar mais e trabalhar com mais
dignidade do que se fossem em
pregados de empresas de ôni
bus.
O trânsito da cidade fica me
lhor porque as peruas são me
nores do que os ônibus, andam
na velocidade média dos auto
móveis, são mais ágeis e não
atrapalham o trânsito como os
ônibus.
As peruas não concorrem com
os táxis, que são cinco ou dez
vezes mais caros.
Os únicos prejudicados com a
invenção são as companhias de
ônibus, que têm perdido passa
geiros.
A mesma concorrência faz
com que todas as empresas de
ônibus queiram transitar pela
avenida Paulista, enquanto por
baixo da avenida correm os me
trôs de ponta a ponta.
É comum que a concorrência
aglomere os competidores no
mesmo lugar. Restaurantes fi
cam perto de restaurantes, cine
mas perto de outros cinemas,
camelôs perto de outros came
lôs. No caso dos ônibus na ave
nida Paulista, só atrapalham o
trânsito e andam vazios. A con
corrência aí deveria ser regula
da. A vida não é simples. Con
corrência ajuda e atrapalha.
Segundo pesquisas, 85% dos
paulistanos gostam e apóiam os
perueiros e o novo meio de
transporte.
Surpresa: todos os vereadores
do PPB na Câmara Municipal
votaram projeto de lei de ini
ciativa da própria Câmara tor
nando as peruas ilegais. Ale
gam que defendem os interesses
dos taxistas.
Não consegui falar com ne
nhum taxista que estivesse con
tra as peruas. Talvez estejam
defendendo apenas as empresas
de ônibus.
Os mesmos vereadores não to
maram nenhuma iniciativa efi
caz para averiguar o escândalo
dos precatórios da Prefeitura de
São Paulo ou as acusações de
corrupção na compra de fran
gos.
Por que o PPB (Partido Pro
gressista Brasileiro), defensor
do mercado e da livre iniciativa
adota posição contra pequenos
empresários donos de lotação?
Por que se chama progressista?
Em que sentido é brasileiro?
Na quinta-feira votaram ou
tra lei e tudo ficou como antes.
Solidariedade e simpatia - O
professor Pochmann, da Uni
versidade de Campinas, mos
trou em artigo na quarta-feira
como se calcula o índice de de
semprego nos Estados Unidos. E
como é informal o mercado
brasileiro de trabalho.
O desemprego e as restrições
legais do mercado de trabalho
lá são maiores do que imagina
mos.
Aqui, as restrições legais do
mercado de trabalho são meno
res e o desemprego maior.
O primeiro-ministro Jospin,
socialista, França, propõe a re
dução da jornada de trabalho
para 35 horas no ano 2000.
Os jornais franceses nos con
solam, particularmente o "Le
Figaro". É mais ranzinza, mais
reacionário e mais neoliberal
do que o mais neoliberal dos
neoliberais brasileiros. Recla
ma, reclama e reclama.
Diz que a França está na con
tramão da história.
De fato, está na contramão da
Europa. Vai ser difícil para a
França concorrer com outros
países europeus depois dessa
medida, particularmente por
que não pode mudar o câmbio
agora e muito menos depois,
com a moeda única européia.
Mas não está na contramão
da história, pois a redução da
jornada de trabalho faz todo
sentido como solução para os
problemas de desemprego e su
perprodução da economia
mundial.
A França está apenas na con
tramão da geografia. O que é
igualmente difícil. Mas nos con
sola saber que existe pelo menos
um governo socialista ou social
democrata no mundo que de
monstra compreender os pro
blemas do mundo. Ainda que
não consiga implementar solu
ções, pois uma andorinha só
não faz verão.
João Sayad, 51, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração da
USP e ex-ministro do Planejamento (governo
José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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