São Paulo, segunda, 27 de outubro de 1997.




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ARTIGO
Planos de saúde: o buraco é mais fundo

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA
As recentes discussões a respeito dos planos de saúde privados bra sileiros são importantíssimas para o avanço de um produto que tem hoje entre os seus consumidores mais de 40 milhões de pessoas, mas que em momento algum foi pensado para desempenhar as funções que estão querendo lhe transferir.
Os planos de saúde privados fo ram pensados para atuar como produtos complementares ao atendimento médico-hospitalar oficial, encarregado de fornecer o atendimento básico amplo e geral à população.
A idéia que embasou o desenvol vimento desses produtos foi a de sofisticar o serviço oferecido pela rede pública, oferecendo aos seus usuários um tratamento diferen ciado quando necessitassem de atendimento médico-hospitalar.
Infelizmente, a falência do Esta do brasileiro como um todo veio modificar esse quadro, fazendo com que um produto acessório se transformasse numa necessidade essencial, sob o risco de, em não o tendo, o cidadão vir a morrer nas filas e no tratamento indecente da rede médico-hospitalar pública em todos os seus níveis, com as ex ceções de praxe.
A questão que realmente se colo ca não é simplesmente se os planos de saúde privados devem ou não atender os pacientes portadores do vírus HIV ou se, além deles, de vem ser cobertas também doenças como câncer ou as pontes de safe na. Tudo isso não passa de uma discussão menor, que ataca ape nas uma pequena parte do proble ma e que, com certeza, não é a mais importante.
Num país em que ocorrem casos como a recente demissão do pro fessor Dalton Chamone, por haver denunciado o descalabro da fisca lização do sangue utilizado pelos hospitais, e onde o senador José Serra confirma que o governo não investe em saúde e que parte do di nheiro da CPMF está sendo utili zado pela Previdência Social, não há como transferir para a iniciati va privada a obrigação de fazer o que é responsabilidade do gover no, mas este não faz.
Ou, pelo menos, não é possível realizar essa transferência man tendo o desenho atual dos planos de saúde privados. Como eles es tão, a regulamentação em curso não será mais do que um paliativo, com fôlego para contornar algu mas situações emergenciais, mas não mais do que isso.
O drama da saúde brasileira não é culpa destes produtos. É culpa de uma situação de descalabro pela qual não podem ser apontados culpados, exceto o poder público como um todo e os constituintes de 88, que, na mais deslavada de magogia, deram ao Brasil uma Constituição que, além do mérito de ser a pior de uma longa série de Constituições ruins, ainda por ci ma liquidou com o pouco que fun cionava em quase todos os setores da administração do país.
Para que os planos de saúde pri vados possam desempenhar as funções que estão querendo que eles assumam, é indispensável que o governo mude completamente o enfoque da questão, criando duas classes de serviços a ser executa dos por eles.
A primeira seria um serviço de atendimento básico obrigatório, abrangendo todos os serviços prestados pelas redes públicas em todos os seus níveis. Esse serviço obrigaria as empresas privadas que o quisessem explorar a ofere cer todos os procedimentos desti nados a tratar da saúde da popula ção. Elas atuariam como conces sionárias do governo nos serviços de saúde, garantindo um atendi mento médico-hospitalar míni mo, em condições de preço e de operação a serem determinadas pelo poder público, para todos aqueles que desejassem ter sua saúde garantida por uma empresa privada.
Por outro lado, o governo tam bém continuaria a oferecer esse atendimento, quer pelo SUS, quer por meio de um novo desenho, mais eficiente, que aumentasse os investimentos em saúde, em vez de deixá-los escoar pelo enorme ralo da incompetência e da cor rupção que hoje praticamente in viabilizam o modelo.
Para simplificar a explicação, se ria um desenho como o adotado na telefonia celular, com uma ban da A e uma banda B, à disposição do usuário, que faria a sua escolha de acordo com as suas conveniên cias.
Ao governo caberia ainda a obri gação do fornecimento de todos os serviços de prevenção na área de saúde, que, no Brasil, sempre fo ram relegados ao mais absoluto descaso. Tanto que até o sarampo está fora de controle, para não fa larmos na dengue, na lepra e em mais uma série de doenças que por aqui ainda são endêmicas, jogan do-nos para uma posição tão ruim quanto a dos países mais miserá veis do mundo.
Além das concessionárias, que ofereceriam o atendimento bási co, dentro de padrões mínimos que poderiam tomar por base o que é feito na Europa, seria permi tida também a existência de em presas que quisessem oferecer ser viços complementares na área de saúde para sofisticar o atendimen to de seus clientes -aqui, sim, nos moldes adotados para os planos de saúde provados atuais.
Esses planos complementares sofisticariam o atendimento bási co amplo e geral, garantido pelas concessionárias e pelo próprio go verno, podendo ser desenhados li vremente, sujeitos à legislação dos contratos e aos anseios do merca do.


Antonio Penteado Mendonça, 45, advogado, é consultor de seguros e diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo.
E-mail: pentmend@dialdata.com.br



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