|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Planos de saúde: o buraco é mais fundo
ANTONIO PENTEADO MENDONÇA
As recentes discussões a respeito
dos planos de saúde privados bra
sileiros são importantíssimas para
o avanço de um produto que tem
hoje entre os seus consumidores
mais de 40 milhões de pessoas,
mas que em momento algum foi
pensado para desempenhar as
funções que estão querendo lhe
transferir.
Os planos de saúde privados fo
ram pensados para atuar como
produtos complementares ao
atendimento médico-hospitalar
oficial, encarregado de fornecer o
atendimento básico amplo e geral
à população.
A idéia que embasou o desenvol
vimento desses produtos foi a de
sofisticar o serviço oferecido pela
rede pública, oferecendo aos seus
usuários um tratamento diferen
ciado quando necessitassem de
atendimento médico-hospitalar.
Infelizmente, a falência do Esta
do brasileiro como um todo veio
modificar esse quadro, fazendo
com que um produto acessório se
transformasse numa necessidade
essencial, sob o risco de, em não o
tendo, o cidadão vir a morrer nas
filas e no tratamento indecente da
rede médico-hospitalar pública
em todos os seus níveis, com as ex
ceções de praxe.
A questão que realmente se colo
ca não é simplesmente se os planos
de saúde privados devem ou não
atender os pacientes portadores
do vírus HIV ou se, além deles, de
vem ser cobertas também doenças
como câncer ou as pontes de safe
na. Tudo isso não passa de uma
discussão menor, que ataca ape
nas uma pequena parte do proble
ma e que, com certeza, não é a
mais importante.
Num país em que ocorrem casos
como a recente demissão do pro
fessor Dalton Chamone, por haver
denunciado o descalabro da fisca
lização do sangue utilizado pelos
hospitais, e onde o senador José
Serra confirma que o governo não
investe em saúde e que parte do di
nheiro da CPMF está sendo utili
zado pela Previdência Social, não
há como transferir para a iniciati
va privada a obrigação de fazer o
que é responsabilidade do gover
no, mas este não faz.
Ou, pelo menos, não é possível
realizar essa transferência man
tendo o desenho atual dos planos
de saúde privados. Como eles es
tão, a regulamentação em curso
não será mais do que um paliativo,
com fôlego para contornar algu
mas situações emergenciais, mas
não mais do que isso.
O drama da saúde brasileira não
é culpa destes produtos. É culpa de
uma situação de descalabro pela
qual não podem ser apontados
culpados, exceto o poder público
como um todo e os constituintes
de 88, que, na mais deslavada de
magogia, deram ao Brasil uma
Constituição que, além do mérito
de ser a pior de uma longa série de
Constituições ruins, ainda por ci
ma liquidou com o pouco que fun
cionava em quase todos os setores
da administração do país.
Para que os planos de saúde pri
vados possam desempenhar as
funções que estão querendo que
eles assumam, é indispensável que
o governo mude completamente o
enfoque da questão, criando duas
classes de serviços a ser executa
dos por eles.
A primeira seria um serviço de
atendimento básico obrigatório,
abrangendo todos os serviços
prestados pelas redes públicas em
todos os seus níveis. Esse serviço
obrigaria as empresas privadas
que o quisessem explorar a ofere
cer todos os procedimentos desti
nados a tratar da saúde da popula
ção. Elas atuariam como conces
sionárias do governo nos serviços
de saúde, garantindo um atendi
mento médico-hospitalar míni
mo, em condições de preço e de
operação a serem determinadas
pelo poder público, para todos
aqueles que desejassem ter sua
saúde garantida por uma empresa
privada.
Por outro lado, o governo tam
bém continuaria a oferecer esse
atendimento, quer pelo SUS, quer
por meio de um novo desenho,
mais eficiente, que aumentasse os
investimentos em saúde, em vez
de deixá-los escoar pelo enorme
ralo da incompetência e da cor
rupção que hoje praticamente in
viabilizam o modelo.
Para simplificar a explicação, se
ria um desenho como o adotado
na telefonia celular, com uma ban
da A e uma banda B, à disposição
do usuário, que faria a sua escolha
de acordo com as suas conveniên
cias.
Ao governo caberia ainda a obri
gação do fornecimento de todos os
serviços de prevenção na área de
saúde, que, no Brasil, sempre fo
ram relegados ao mais absoluto
descaso. Tanto que até o sarampo
está fora de controle, para não fa
larmos na dengue, na lepra e em
mais uma série de doenças que por
aqui ainda são endêmicas, jogan
do-nos para uma posição tão ruim
quanto a dos países mais miserá
veis do mundo.
Além das concessionárias, que
ofereceriam o atendimento bási
co, dentro de padrões mínimos
que poderiam tomar por base o
que é feito na Europa, seria permi
tida também a existência de em
presas que quisessem oferecer ser
viços complementares na área de
saúde para sofisticar o atendimen
to de seus clientes -aqui, sim, nos
moldes adotados para os planos de
saúde provados atuais.
Esses planos complementares
sofisticariam o atendimento bási
co amplo e geral, garantido pelas
concessionárias e pelo próprio go
verno, podendo ser desenhados li
vremente, sujeitos à legislação dos
contratos e aos anseios do merca
do.
Antonio Penteado Mendonça, 45, advogado,
é consultor de seguros e diretor do Centro do
Comércio do Estado de São Paulo.
E-mail: pentmend@dialdata.com.br
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|