São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 2009

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Nestlé prevê dobrar no Brasil até 2012

Empresa suíça, que na crise ofereceu crédito a fornecedores e cresceu 10%, planeja investir R$ 800 mi no ano que vem

Para presidente da empresa que comprou a Garoto em 2002, não dá para justificar concentração de mercado em nome do nacionalismo


MARIANA BARBOSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando estourou a crise, no final de 2008, o presidente da Nestlé, Ivan Zurita, 56, estabeleceu a meta de crescer pelo menos 3%, independentemente do tamanho do tombo da economia mundial e brasileira.
Decidido a ganhar mercado, investiu agressivamente em marketing e em novos produtos. Quando o crédito secou, assumiu o papel de banco, socorrendo 44 mil fornecedores. Investiu R$ 800 milhões na compra de fábricas, em parcerias e na construção de novas linhas e de novas fábricas -como a de Araraquara (SP).
O esforço se traduziu em crescimento de mais de 10%. O faturamento saltou de R$ 14 bilhões para R$ 15,5 bilhões. "Crescemos uma Danone neste ano", diz Zurita, que não descarta crescer duas Danone no ano que vem. "Se pudermos, vamos crescer 20%. Queremos dobrar de tamanho até 2012." A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.

 

FOLHA - Enquanto o PIB deve ficar próximo de zero, a Nestlé teve forte expansão. A crise não atingiu a empresa?
IVAN ZURITA
- A Nestlé tem política de crescimento mínimo de 3%. Se não crescer isso, tem de demitir. Ou o setor cresce isso ou temos de ganhar mercado. Enquanto todo mundo estava com a guarda baixa, nossa estratégia foi ser agressivo.

FOLHA - E o que foi feito?
ZURITA
- Fomos à luta, saímos para buscar resultado. Contratamos 2.500 temporários para fazer ações no ponto de venda, investimos mais em marketing e demos crédito para fornecedores. Focamos em projetos que podiam fazer a diferença no curto prazo. Para podermos entrar com mais força no mercado de longa vida, compramos a fábrica de Carazinho (RS) da Parmalat e construímos uma nova, em Araraquara, em 72 dias. E fizemos parceria com a Casa Suíça para fabricar panetones -neste Natal, vamos ter de 10% a 15% do mercado. Mudamos o tempo de operação.

FOLHA - Como vocês lidaram com a falta de crédito durante a crise?
ZURITA
- Temos 44 mil fornecedores. Se você não ajuda, em um momento desses, você desmantela toda a cadeia. Nosso papel não é de banco, mas, como o banco não descontava as duplicatas, passamos a descontar, a preço do custo da Nestlé tomando dinheiro. Chegamos a ter giro mensal de R$ 200 milhões, durante uns seis meses, no auge da crise. Quando o crédito se normalizou, devolvemos a carteira para os bancos.

FOLHA - O ritmo de 2009 será mantido em 2010?
ZURITA
- Se crescemos 10% em um ano em que o país cresceu 0,8% ou zero, não é ilógico pensar que podemos crescer mais no ano que vem. Se puder, vou crescer 20%. Mas não tenho uma meta, que, se não cumprir, terei de desocupar a cadeira. Saímos de R$ 4,6 bilhões em 2001 para R$ 15,5 bilhões em 2009. Até 2012, queremos dobrar o atual faturamento.

FOLHA - Qual a previsão de investimentos para 2010?
ZURITA
- Vamos continuar ao redor de R$ 800 milhões, mais eventuais aquisições. Vamos investir em novas linhas de produção em Araraquara e em Carazinho. Vamos aumentar a capacidade na fabricação de panetone, que já está no limite. A linha Sollys também vai ter aumento de capacidade. Vamos entrar em um novo segmento, mas não posso adiantar qual.

FOLHA - Neste ano, a empresa estreou no mercado de longa vida. A ideia é ocupar espaço da Parmalat?
ZURITA
- Nosso longa vida não se compara ao da Parmalat em termos de qualidade, rastreabilidade. Não é soberba não, não é porque estão mal das pernas. Se fosse comparável, não entraria nesse mercado. Tivemos de fazer uma enorme adaptação da fábrica de Carazinho. Não temos recepção de leite de tambor, é tudo bomba. Fazemos análise no momento da captação. A fábrica de Araraquara é a mais avançada das Américas.

FOLHA - Quais as metas para esse mercado?
ZURITA
- Começamos em abril em São Paulo, agora fomos para o Rio. Neste ano, dos 2,2 bilhões de litros que captamos, só 60 milhões são longa vida, com Ninho e Molico. O foco é o segmento "premium", com diferenciais nutricionais ou funcionais. O objetivo é a liderança.

FOLHA - Qual é a importância da baixa renda para o crescimento da Nestlé, hoje?
ZURITA
- O Bolsa Família faz uma diferença incrível, e o consumo no Nordeste cresce quase o dobro do país. Temos hoje 8.000 mulheres trabalhando na venda porta a porta. Em 2010, vamos contratar mais 1.000 em São Paulo e 800 no Rio. E também devemos levar o porta a porta para o Nordeste.

FOLHA - O sr. acredita que o Cade está mudando sua posição com relação a grandes aquisições?
ZURITA
- Todo mundo tem de evoluir. As fusões são importantes, desde que haja critério e o mesmo seja usado para todos. Manter empregos deve ser prioridade. Sempre fui a favor da criação de grandes grupos. Em um país com consumo per capita baixo, se você quiser crescer e se fortalecer, tem de se unir. Sempre digo que capital não tem fronteira e que consumidor não come bandeira. Mas não se pode confundir Cade com política. Não dá para justificar concentração em nome do nacionalismo.

FOLHA - Existe essa confusão, na opinião do sr.?
ZURITA
- Alguém deve estar trabalhando e vendendo esse posicionamento. Temos o Pão de Açúcar com as Casas Bahia. Só que o Pão de Açúcar é francês, do Casino. A BRF [Brasil Foods, que resultou da união entre Perdigão e Sadia] representa concentração em alguns setores? Obvio que sim. Dá para fazer? O Cade decidirá. Acho que dá. Desde que com cuidado, critério e transparência.

FOLHA - Qual é a avaliação que o sr. faz do processo Nestlé-Garoto? Hoje teria sido mais fácil?
ZURITA
- É difícil dizer. Fomos à Justiça contra a decisão do Cade pelas imperfeições do processo. Vencemos na primeira instância, a segunda ainda não terminou. Mas você acha que a gente iria entrar de gaiato nesse navio? Ninguém é louco. Fomos assessorados pela Elizabeth Farina, que depois virou presidente do Cade. O que houve foi uma mudança histórica de critério de avaliação. Se fosse por histórico de julgamento, não teríamos passado por isso.

FOLHA - Advogados costumam dizer que houve certa arrogância por parte da Nestlé e que isso teria contrariado os conselheiros do Cade...
ZURITA
- É arrogância tirar uma empresa do buraco, dar emprego? Compramos a Garoto com 47% de capacidade ociosa e neste ano elevamos a capacidade em 30%. Investimos R$ 230 milhões. Então, seria melhor que todo mundo fosse arrogante. A Nestlé está há 88 anos no país e é a única estrangeira grande que tem presidente brasileiro. Se fosse uma Danone, uma Unilever, até justifica, pois os caras não sabem onde estão sentados.

FOLHA - O ex-ministro Delfim Netto disse que o otimismo do presidente Lula foi o grande responsável por não deixar a crise tomar conta do país. O sr. concorda?
ZURITA
- O otimismo do Lula pode ter lá seu efeito. Mas ele pensava que era uma marolinha e o empresário sentiu o que vinha pela frente e botou o pé no freio. A vantagem competitiva do Brasil foi a força do seu mercado interno, que sustenta qualquer atividade.

FOLHA - As medidas do governo contra a crise foram adequadas?
ZURITA
- O governo tomou medidas corretas, mas, na minha opinião, demorou um pouco a reagir. Precisávamos de choque de gestão "de cara", para dar uma levantada. A velocidade tem peso importantíssimo.


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