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Nestlé prevê dobrar no Brasil até 2012
Empresa suíça, que na crise ofereceu crédito a fornecedores e cresceu 10%, planeja investir R$ 800 mi no ano que vem
Para presidente da empresa
que comprou a Garoto em
2002, não dá para justificar
concentração de mercado
em nome do nacionalismo
MARIANA BARBOSA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando estourou a crise, no
final de 2008, o presidente da
Nestlé, Ivan Zurita, 56, estabeleceu a meta de crescer pelo
menos 3%, independentemente do tamanho do tombo da
economia mundial e brasileira.
Decidido a ganhar mercado, investiu agressivamente em marketing e em novos produtos.
Quando o crédito secou, assumiu o papel de banco, socorrendo 44 mil fornecedores.
Investiu R$ 800 milhões na
compra de fábricas, em parcerias e na construção de novas linhas e de novas fábricas -como a de Araraquara (SP).
O esforço se traduziu em
crescimento de mais de 10%. O
faturamento saltou de R$ 14 bilhões para R$ 15,5 bilhões.
"Crescemos uma Danone neste
ano", diz Zurita, que não descarta crescer duas Danone no
ano que vem. "Se pudermos,
vamos crescer 20%. Queremos
dobrar de tamanho até 2012."
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
FOLHA - Enquanto o PIB deve ficar
próximo de zero, a Nestlé teve forte
expansão. A crise não atingiu a empresa?
IVAN ZURITA - A Nestlé tem política de crescimento mínimo de
3%. Se não crescer isso, tem de
demitir. Ou o setor cresce isso
ou temos de ganhar mercado.
Enquanto todo mundo estava
com a guarda baixa, nossa estratégia foi ser agressivo.
FOLHA - E o que foi feito?
ZURITA - Fomos à luta, saímos
para buscar resultado. Contratamos 2.500 temporários para
fazer ações no ponto de venda,
investimos mais em marketing
e demos crédito para fornecedores. Focamos em projetos
que podiam fazer a diferença
no curto prazo. Para podermos
entrar com mais força no mercado de longa vida, compramos
a fábrica de Carazinho (RS) da
Parmalat e construímos uma
nova, em Araraquara, em 72
dias. E fizemos parceria com a
Casa Suíça para fabricar panetones -neste Natal, vamos ter
de 10% a 15% do mercado. Mudamos o tempo de operação.
FOLHA - Como vocês lidaram com a
falta de crédito durante a crise?
ZURITA - Temos 44 mil fornecedores. Se você não ajuda, em
um momento desses, você desmantela toda a cadeia. Nosso
papel não é de banco, mas, como o banco não descontava as
duplicatas, passamos a descontar, a preço do custo da Nestlé
tomando dinheiro. Chegamos a
ter giro mensal de R$ 200 milhões, durante uns seis meses,
no auge da crise. Quando o crédito se normalizou, devolvemos a carteira para os bancos.
FOLHA - O ritmo de 2009 será mantido em 2010?
ZURITA - Se crescemos 10% em
um ano em que o país cresceu
0,8% ou zero, não é ilógico pensar que podemos crescer mais
no ano que vem. Se puder, vou
crescer 20%. Mas não tenho
uma meta, que, se não cumprir,
terei de desocupar a cadeira.
Saímos de R$ 4,6 bilhões em
2001 para R$ 15,5 bilhões em
2009. Até 2012, queremos dobrar o atual faturamento.
FOLHA - Qual a previsão de investimentos para 2010?
ZURITA - Vamos continuar ao
redor de R$ 800 milhões, mais
eventuais aquisições. Vamos
investir em novas linhas de
produção em Araraquara e em
Carazinho. Vamos aumentar a
capacidade na fabricação de panetone, que já está no limite. A
linha Sollys também vai ter aumento de capacidade. Vamos
entrar em um novo segmento,
mas não posso adiantar qual.
FOLHA - Neste ano, a empresa estreou no mercado de longa vida. A
ideia é ocupar espaço da Parmalat?
ZURITA - Nosso longa vida não
se compara ao da Parmalat em
termos de qualidade, rastreabilidade. Não é soberba não, não é
porque estão mal das pernas. Se
fosse comparável, não entraria
nesse mercado. Tivemos de fazer uma enorme adaptação da
fábrica de Carazinho. Não temos recepção de leite de tambor, é tudo bomba. Fazemos
análise no momento da captação. A fábrica de Araraquara é a
mais avançada das Américas.
FOLHA - Quais as metas para esse
mercado?
ZURITA - Começamos em abril
em São Paulo, agora fomos para
o Rio. Neste ano, dos 2,2 bilhões de litros que captamos, só
60 milhões são longa vida, com
Ninho e Molico. O foco é o segmento "premium", com diferenciais nutricionais ou funcionais. O objetivo é a liderança.
FOLHA - Qual é a importância da
baixa renda para o crescimento da
Nestlé, hoje?
ZURITA - O Bolsa Família faz
uma diferença incrível, e o consumo no Nordeste cresce quase
o dobro do país. Temos hoje
8.000 mulheres trabalhando
na venda porta a porta. Em
2010, vamos contratar mais
1.000 em São Paulo e 800 no
Rio. E também devemos levar o
porta a porta para o Nordeste.
FOLHA - O sr. acredita que o Cade
está mudando sua posição com relação a grandes aquisições?
ZURITA - Todo mundo tem de
evoluir. As fusões são importantes, desde que haja critério e
o mesmo seja usado para todos.
Manter empregos deve ser
prioridade. Sempre fui a favor
da criação de grandes grupos.
Em um país com consumo per
capita baixo, se você quiser
crescer e se fortalecer, tem de
se unir. Sempre digo que capital não tem fronteira e que consumidor não come bandeira.
Mas não se pode confundir Cade com política. Não dá para
justificar concentração em nome do nacionalismo.
FOLHA - Existe essa confusão, na
opinião do sr.?
ZURITA - Alguém deve estar trabalhando e vendendo esse posicionamento. Temos o Pão de
Açúcar com as Casas Bahia. Só
que o Pão de Açúcar é francês,
do Casino. A BRF [Brasil
Foods, que resultou da união
entre Perdigão e Sadia] representa concentração em alguns
setores? Obvio que sim. Dá para fazer? O Cade decidirá. Acho
que dá. Desde que com cuidado,
critério e transparência.
FOLHA - Qual é a avaliação que o sr.
faz do processo Nestlé-Garoto? Hoje
teria sido mais fácil?
ZURITA - É difícil dizer. Fomos
à Justiça contra a decisão do
Cade pelas imperfeições do
processo. Vencemos na primeira instância, a segunda ainda
não terminou. Mas você acha
que a gente iria entrar de gaiato
nesse navio? Ninguém é louco.
Fomos assessorados pela Elizabeth Farina, que depois virou
presidente do Cade. O que houve foi uma mudança histórica
de critério de avaliação. Se fosse por histórico de julgamento,
não teríamos passado por isso.
FOLHA - Advogados costumam dizer que houve certa arrogância por
parte da Nestlé e que isso teria contrariado os conselheiros do Cade...
ZURITA - É arrogância tirar
uma empresa do buraco, dar
emprego? Compramos a Garoto com 47% de capacidade ociosa e neste ano elevamos a capacidade em 30%. Investimos R$
230 milhões. Então, seria melhor que todo mundo fosse arrogante. A Nestlé está há 88
anos no país e é a única estrangeira grande que tem presidente brasileiro. Se fosse uma Danone, uma Unilever, até justifica, pois os caras não sabem onde estão sentados.
FOLHA - O ex-ministro Delfim Netto disse que o otimismo do presidente Lula foi o grande responsável
por não deixar a crise tomar conta
do país. O sr. concorda?
ZURITA - O otimismo do Lula
pode ter lá seu efeito. Mas ele
pensava que era uma marolinha e o empresário sentiu o que
vinha pela frente e botou o pé
no freio. A vantagem competitiva do Brasil foi a força do seu
mercado interno, que sustenta
qualquer atividade.
FOLHA - As medidas do governo
contra a crise foram adequadas?
ZURITA - O governo tomou medidas corretas, mas, na minha
opinião, demorou um pouco a
reagir. Precisávamos de choque
de gestão "de cara", para dar
uma levantada. A velocidade
tem peso importantíssimo.
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