São Paulo, quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

A salvação da banca vai ao tribunal


Responsáveis pelo socorro à finança nos Estados Unidos são chamados ao Congresso para explicar favores à finança


O SECRETÁRIO do Tesouro de Barack Obama foi ontem na prática chamado de lacaio da banca. Timothy Geithner foi enxovalhado pelo Comitê de Supervisão e Reforma do Governo, na Câmara, que investiga a estatização da ex-maior seguradora do mundo, a AIG, e como o dinheiro público que evitou a falência da empresa acabou na mão de grandes bancos.
Geithner era presidente do Fed de Nova York durante o governo de George Bush 2 e foi do comitê de salvação pública da finança em 2008. A AIG foi estatizada na terça-feira, 16 de setembro de 2008. Na segunda-feira, quebrara o Lehman Brothers. Como se escreveu à época, a quebra da AIG faria "a do Lehman parecer uma espinha no traseiro de um elefante".
A AIG entrara fundo no mercado de contratos de seguro para calotes de dívidas ("credit default swaps", CDS). Ou seja, em troca da cobertura do calote do investimento em algum outro título, o segurado (como grandes bancos, no caso) paga uma prestação à "seguradora", no caso a AIG. Bancos tinham investido em uma grande e variada fauna de títulos que se revelaram depois podres e que apodreciam ainda mais naqueles dias de quebradeira.
Se a AIG não honrasse os CDS, haveria rombos ainda maiores nos bancos, haveria rodadas ainda maiores de desvalorizações de quase qualquer papel no mercado, em suma, grande risco de hecatombe. O Tesouro americano e o Fed de Nova York (braço operacional do BC americano) resolveram não só salvar a AIG como pagar cada centavo dos "seguros" devidos à banca (com dinheiro do contribuinte), algo em torno de US$ 62 bilhões.
Geithner e o então secretário do Tesouro de Bush, Hank Paulson, entre outros, estão sendo acusados de não negociar um desconto com os credores da AIG; a cúpula do Fed de Nova York, de resto, está sendo acusada de esconder de quanto foi e para quem foi a dinheirama.
Geithner e Paulson enfatizaram que a falência de fato da AIG provocaria um "colapso total", que levaria o "desemprego a 25%" e o país a uma "grande depressão". Um deputado republicano acusou Geithner de dar "desculpas capengas" e pediu que ele se demitisse. A Comissão requereu 250 mil páginas de documentos sobre o caso AIG, que começam a vazar e a cheirar mal.
"Populismo" parlamentar? Engenheiros criticando obras feitas (o resgate da banca, em 2008)? Bem, pode-se dizer também que Paulson, Geithner, Ben Bernanke e cia. foram cúmplices ativos ou passivos da armação da maior catástrofe financeira da história, a qual descartavam de modo prepotente, e agora se eximem alegremente de qualquer responsabilidade, dizendo que não havia alternativa ao que fizeram para "preservar o interesse do público".
É verdade que não apareceu nenhuma alternativa melhor à salvação da banca, em 2008, sem a qual teria havido mesmo o tal "colapso total". Mas os pares de Wall Street no governo americano estão a dizer é que a vida é assim mesmo: se não estavam certos antes, estão certos agora. Isto é, contribuíram alegremente para o que o Estado fosse capturado pela banca e diziam que fazer o que a finança queria não causaria problema. Mas causou. E o que eles têm a dizer agora? Dane-se.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Medida "maquia" ação do governo, diz especialista
Próximo Texto: BC mantém taxa de juro, mas sinaliza alta
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.