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OPINIÃO ECONÔMICA
"Calote" russo, (bom) exemplo para o Brasil
ALOYSIO BIONDI
Segunda-feira passada. Aqui
dentro, o dólar dispara, o real
despenca. Na Europa, surge o
anúncio oficial de que os banqueiros privados internacionais
aceitaram iniciar conversações
para renegociar a dívida externa da Rússia. Isto é, os banqueiros internacionais, após muita
encenação, estão sendo forçados
a aceitar que a Rússia pague sua
dívida em condições favoráveis,
que não agravem a recessão, o
desemprego, os abalos na economia.
Como a Rússia conseguiu isso?
Como é mais do que sabido, em
agosto do ano passado o governo russo declarou a "moratória", isto é, informou aos credores internacionais que o país
não tinha os dólares suficientes
para pagar todos os compromissos que estavam vencendo no
exterior. Segundo o noticiário
distorcido, predominante desde
aquela época, a Rússia simplesmente teria dado o "calote" nos
credores, que "viram seus empréstimos evaporarem ou caírem até 90%". Não é verdade.
Desde outubro, a Rússia comunicava aos banqueiros internacionais que desejava honrar
suas dívidas -mas só poderiam
pagá-las em novas condições.
Quais? Primeiro ponto: concessão de prazos maiores. Ou mais
claramente: a Rússia se dispõe a
pagar 10% à vista, em dólar, e
90% em títulos do governo, dos
quais somente 30% em dólar (isto é, se o dólar subir e o rublo
cair, ao longo do período, o banqueiro não terá prejuízo com a
desvalorização) e 60% em rublo.
Desde o começo, a proposta
russa foi aceita, como ponto de
partida para negociações, pelos
bancos europeus. Mas, nesses
casos de "moratória", o grupo
de credores somente pode negociar quando 80% dos bancos
emprestadores aceitarem estudar a proposta.
Foi exatamente o que aconteceu na semana passada: atingiu-se esse número, de 80% dos
bancos, e as negociações vão ter
início. Uma notícia importantíssima para a economia mundial e, claro, muito mais importante ainda para o Brasil, mergulhado na crise do real. Foi
completamente ignorada pelos
meios de comunicação e formadores de opinião. Um silêncio
que, certamente, agradou muitíssimo ao presidente Fernando
Henrique Cardoso, tendo-se em
vista que a notícia mostraria à
sociedade brasileira que a "moratória" não é a catástrofe que
se diz. Que a moratória é, na
verdade, uma alternativa ao
acordo desastroso com o FMI, a
ser adotada com urgência pelo
governo para antes do desastre
total que ameaça o real.
A hora é agora
Para entender a necessidade
urgente da moratória, é preciso
desfazer algumas confusões que
o noticiário tem provocado na
opinião pública e também relembrar algumas expectativas
otimistas criadas na época do
acordo com o FMI e sobre as
quais, estrategicamente, não se
fala mais -como o célebre pacote de "socorro" dos banqueiros "muy" amigos:
Fuga de dólares - A expressão
é enganosa. Deixa a impressão,
na opinião pública, de que a saída de dólares é resultado
-atenção- apenas da ação de
especuladores e investidores que
haviam aplicado seus dólares
no Brasil nos últimos anos. Aumentando a confusão, há até
porta-vozes do governo, errando mais uma vez, dizendo que a
"fuga de dólares agora deve diminuir, porque a quase totalidade dos capitais especulativos
já saiu".
Tudo errado. A "fuga de dólares" tem outras fontes, e fontes
enormes. Por exemplo: empresas brasileiras/multinacionais
que haviam tomado empréstimos no exterior e que resolveram pagá-los antes da data do
vencimento (daqui a um, dois
anos ou mais) porque já temiam
a desvalorização do real, o que
aumentaria suas dívidas. Bilhões e bilhões de dólares saíram
por essa fonte. Agora, que a desvalorização já veio, ela deve
realmente estancar. Mas há outra fonte para a "fuga" e que
continua. Mais claramente:
bancos estrangeiros que haviam
emprestado bilhões e bilhões de
dólares a empresas brasileiras/
multinacionais não estão renovando seus empréstimos (ou até
os cobram antes, no prazo de
um ano), isto é, as empresas precisam remeter dólares para quitá-los.
Sem crédito - É bom, muito
importante lembrar que, quando o "socorro" do FMI estava
sendo discutido, importantes
banqueiros internacionais vieram ao Brasil, alguns deles chegando a ter encontros oficiais
com o presidente FHC. O que se
noticiou na época? Que eles fariam um "pacote" próprio de socorro ao Brasil, de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões. Por isso
mesmo -foi a desculpa largamente utilizada na época- esses bancos não estavam renovando empréstimos a empresas
do Brasil: "Quando o acordo
com o FMI estiver pronto, virá o
"socorro monstro" dos bancos
privados. E então é impossível e
desnecessário manter os empréstimos atuais". Só que os
banqueiros internacionais não
honraram suas promessas (pudera, com um governo tão compreensivo...). E continuaram a
exigir o pagamento dos empréstimos que estão vencendo. Eis
porque a "fuga de dólares" continua: os banqueiros estão negando crédito ao Brasil. E o país
caminha para o colapso.
Sem reservas - O governo afirma que o país ainda tem US$ 27
bilhões em reservas, que chegariam aos US$ 36 bilhões, se contados os US$ 9 bilhões do "pacote" do FMI. Desse total, o mesmo
governo prevê que devem ser
descontados US$ 15 bilhões, relativos ao pagamento de compromissos que vencem nos próximos 180 dias. Assim, as reservas, incluindo o dinheiro do
FMI, cairiam para US$ 21 bilhões. E acontece, ainda, que o
governo está falando apenas nos
"pagamentos já programados" e
não está levando em conta os
"pagamentos antecipados" que
alimentam a chamada fuga de
dólares nem tampouco os novos
"rombos" na balança comercial,
remessas das multinacionais
etc.
Bom lembrar que, no ano passado, se descobriu um "erro"
imenso, ou manipulação imensa do Banco Central, em suas
programações de saída de dólares: suas estatísticas só registravam os empréstimos a ser pagos
que haviam sido contratados
para vencimento em 180 dias e
não incluíam os empréstimos
contratados havia dois anos ou
três anos, dez anos -e que também estavam vencendo nos próximos 180 dias. Em poucas palavras, a cifra de US$ 21 bilhões
que o governo anuncia para as
reservas é claramente otimista
demais. Elas continuam a cair
perigosamente, porque o "mercado" sabe fazer contas, teme o
pior e mantém a "fuga de dólares".
É esse o motivo real da falta de
credibilidade do real, hoje. Não
tem nada a ver com "ajustes fiscais" ou o desempenho do Congresso Nacional. A moratória é
a única saída para evitar um
grande desastre, após o esgotamento das reservas. Já.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve às
quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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