São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Sobre crescimento potencial e salsichas

ANTONIO BARROS DE CASTRO

A firmei na minha última coluna que a economia brasileira tem revelado, em diferentes ocasiões, que é dotada de uma forte impulsão expansiva. Nessa perspectiva procurei deixar claro que os resultados bastante medíocres alcançados nos últimos anos decorrem do fato de que, intermitentemente, ela é detida por políticas draconianamente contencionistas.
Retomo aqui o tema, apontando três razões gerais e duas circunstanciais (mas também poderosas) para o crescimento. É, no entanto, importante advertir que não estou apontando razões para que a economia possa crescer, e sim para que ela tenda a crescer vigorosamente.
A primeira grande razão consiste em que, do início dos anos 90 até o presente, houve neste país a incorporação, intensa e amplamente difundida, de novas técnicas e formas de organização. Num trabalho ainda não publicado, para o qual recebi importante ajuda de Adriano Proença (Coppe/UFRJ), defendo a proposição de que se verificou no período um poderoso "catch up produtivo" (emparelhamento, especialmente naquilo que envolve fabricação, montagem e gerência de estoques). A experiência estaria mais para o considerável êxito das ilhas Maurício do que para o fulgurante sucesso de Taiwan (ou seja, mais para a cópia do que para a recriação de idéias, em instigante artigo de Paul Romer datado de 1992). Neste momento, estaríamos começando a vivenciar os desdobramentos desses avanços.
O país encontra-se ainda a meio caminho da revolução do consumo de massas. Essa situação beneficia o potencial de crescimento em dois sentidos, que convém claramente distinguir. O motivo óbvio consiste em que estamos ainda à grande distância, no tocante à maioria dos duráveis de consumo, da saturação dos mercados. A vantagem nada óbvia, mas decisiva para a sustentação do crescimento, é que nessa situação -e na ausência de solavancos macroeconômicos- torna-se muito menos difícil prever a expansão da demanda. E isso facilita o planejamento das empresas, bem como a formulação e execução de políticas públicas voltadas para o apoio e a intensificação do crescimento.
A terceira razão genérica para o crescimento vigoroso reside na complexa questão da disseminação de valores e padrões comportamentais centrados na busca do ganho. Para o bem e para o mal, a população brasileira parece haver-se tornado agressivamente consciente de que o ambiente econômico oferece incessantes ameaças, oportunidade e desafios. A alta inflação e as reformas contribuíram decisivamente para o surgimento desse novo quadro. Daí resulta uma predisposição à mudança consistente com o meio ambiente altamente competitivo característico da atualidade e em princípio propícia ao crescimento.
Ao anterior, acrescento agora duas razões histórico-circunstanciais, relevantes para o crescimento nos próximos anos.
Inicialmente, e apenas de passagem, registro o fato notório de que as empresas e os consumidores deverão, nos próximos anos, aumentar seu coeficiente de endividamento, alavancando com isso o peso de suas decisões econômicas.
Chegamos, por fim, à importante contribuição ao crescimento que tende a ser dada pelo mero destravamento das políticas macroeconômicas. Refiro-me, concretamente, à esperada supressão dos odiosos stops, responsáveis pelas taxas médias irrisórias de crescimento no passado. Entenda-se. O ambiente macroeconômico tornou-se razoavelmente saudável. Nessas condições, não há nada pela frente semelhante ao inclemente ajuste fiscal recentemente realizado no país, assim como não é de se esperar nada de comparável ao torniquete dos juros aplicado de forma praticamente ininterrupta nos últimos anos.
Vista a questão por esse ângulo, somos hoje o oposto do Japão. Aqui, a severidade fiscal e os juros massacrantes não conseguiram inteiramente travar uma claudicante expansão. O Japão, por contraste, multiplicou o gasto público (levando a dívida pública a 141% do PIB) e reduziu os juros a praticamente zero, sem vitalizar minimamente a economia. Em suma, não há remotamente como destravar macroeconomicamente o crescimento japonês.
A discussão está apenas começando. Mas gostaria de deixar aqui uma advertência. No incipiente estágio em que se encontra o conhecimento do que se passou na economia brasileira nos últimos anos, e com as dificuldades de mensuração com que nos deparamos (por exemplo, no tocante ao estoque de capital), seria um grave equívoco atribuir importância às estimativas de crescimento potencial que começam a surgir. O esforço é, sem dúvida, meritório. Mas cabe lembrar, a propósito, a anedota do salsicheiro afogado. Tendo sido miraculosamente salvo por um desconhecido, tentou, de várias maneiras, recompensá-lo. Não conseguindo fazê-lo, e ansioso por dar alguma retribuição ao seu salvador, gritou, quando este se distanciava: "Não coma salsichas, eu sei como elas são feitas".


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.



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