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OPINIÃO ECONÔMICA
Sobre crescimento potencial e salsichas
ANTONIO BARROS DE CASTRO
A firmei na minha última
coluna que a economia brasileira tem revelado, em diferentes ocasiões, que é dotada de uma
forte impulsão expansiva. Nessa
perspectiva procurei deixar claro
que os resultados bastante medíocres alcançados nos últimos anos
decorrem do fato de que, intermitentemente, ela é detida por políticas draconianamente contencionistas.
Retomo aqui o tema, apontando três razões gerais e duas circunstanciais (mas também poderosas) para o crescimento. É, no
entanto, importante advertir que
não estou apontando razões para
que a economia possa crescer, e
sim para que ela tenda a crescer
vigorosamente.
A primeira grande razão consiste em que, do início dos anos 90
até o presente, houve neste país a
incorporação, intensa e amplamente difundida, de novas técnicas e formas de organização.
Num trabalho ainda não publicado, para o qual recebi importante ajuda de Adriano Proença
(Coppe/UFRJ), defendo a proposição de que se verificou no período
um poderoso "catch up produtivo" (emparelhamento, especialmente naquilo que envolve fabricação, montagem e gerência de
estoques). A experiência estaria
mais para o considerável êxito
das ilhas Maurício do que para o
fulgurante sucesso de Taiwan (ou
seja, mais para a cópia do que para a recriação de idéias, em instigante artigo de Paul Romer datado de 1992). Neste momento, estaríamos começando a vivenciar os
desdobramentos desses avanços.
O país encontra-se ainda a
meio caminho da revolução do
consumo de massas. Essa situação beneficia o potencial de crescimento em dois sentidos, que
convém claramente distinguir. O
motivo óbvio consiste em que estamos ainda à grande distância,
no tocante à maioria dos duráveis de consumo, da saturação
dos mercados. A vantagem nada
óbvia, mas decisiva para a sustentação do crescimento, é que nessa
situação -e na ausência de solavancos macroeconômicos- torna-se muito menos difícil prever a
expansão da demanda. E isso facilita o planejamento das empresas, bem como a formulação e
execução de políticas públicas
voltadas para o apoio e a intensificação do crescimento.
A terceira razão genérica para o
crescimento vigoroso reside na
complexa questão da disseminação de valores e padrões comportamentais centrados na busca do
ganho. Para o bem e para o mal, a
população brasileira parece haver-se tornado agressivamente
consciente de que o ambiente econômico oferece incessantes ameaças, oportunidade e desafios. A alta inflação e as reformas contribuíram decisivamente para o surgimento desse novo quadro. Daí
resulta uma predisposição à mudança consistente com o meio
ambiente altamente competitivo
característico da atualidade e em
princípio propícia ao crescimento.
Ao anterior, acrescento agora
duas razões histórico-circunstanciais, relevantes para o crescimento nos próximos anos.
Inicialmente, e apenas de passagem, registro o fato notório de
que as empresas e os consumidores deverão, nos próximos anos,
aumentar seu coeficiente de endividamento, alavancando com isso o peso de suas decisões econômicas.
Chegamos, por fim, à importante contribuição ao crescimento
que tende a ser dada pelo mero
destravamento das políticas macroeconômicas. Refiro-me, concretamente, à esperada supressão
dos odiosos stops, responsáveis
pelas taxas médias irrisórias de
crescimento no passado. Entenda-se. O ambiente macroeconômico tornou-se razoavelmente
saudável. Nessas condições, não
há nada pela frente semelhante
ao inclemente ajuste fiscal recentemente realizado no país, assim
como não é de se esperar nada de
comparável ao torniquete dos juros aplicado de forma praticamente ininterrupta nos últimos
anos.
Vista a questão por esse ângulo,
somos hoje o oposto do Japão.
Aqui, a severidade fiscal e os juros
massacrantes não conseguiram
inteiramente travar uma claudicante expansão. O Japão, por contraste, multiplicou o gasto público
(levando a dívida pública a 141%
do PIB) e reduziu os juros a praticamente zero, sem vitalizar minimamente a economia. Em suma,
não há remotamente como destravar macroeconomicamente o
crescimento japonês.
A discussão está apenas começando. Mas gostaria de deixar
aqui uma advertência. No incipiente estágio em que se encontra
o conhecimento do que se passou
na economia brasileira nos últimos anos, e com as dificuldades
de mensuração com que nos deparamos (por exemplo, no tocante ao estoque de capital), seria um
grave equívoco atribuir importância às estimativas de crescimento potencial que começam a
surgir. O esforço é, sem dúvida,
meritório. Mas cabe lembrar, a
propósito, a anedota do salsicheiro afogado. Tendo sido miraculosamente salvo por um desconhecido, tentou, de várias maneiras,
recompensá-lo. Não conseguindo
fazê-lo, e ansioso por dar alguma
retribuição ao seu salvador, gritou, quando este se distanciava:
"Não coma salsichas, eu sei como
elas são feitas".
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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