|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Apertem os cintos, o piloto...
LUCIANO COUTINHO
²
A exacerbação caótica da maxidesvalorização (de 100% ou
mais) foi a trajetória observada
em todas as economias que ostentaram elevados déficits em
conta corrente, após anos consecutivos de sobreapreciação da
taxa de câmbio (México, Coréia,
Tailândia, Indonésia). No nosso
caso, a crise foi claramente
anunciada, com suficiente antecipação, permitindo aos agentes
econômicos preparar hedge e
até mesmo ganhar escandalosamente na especulação contra o
câmbio. Além disso, o governo
contou com uma operação de
socorro prévio por parte do FMI
(programa de US$ 41,5 bilhões
acertado em dezembro passado). Sob essas condições poder-se-ia esperar, no caso brasileiro,
um desfecho menos deletério.
Vem sendo surpreendente, porém, o imobilismo e a inépcia
das autoridades econômicas em
tomar a iniciativa das ações.
Tendo descartado um "standstill" temporário para negociar
novas condições de financiamento externo -o que lhe permitiria ordenar o mercado de
câmbio-, o governo FHC auto-demitiu-se, colocando-se numa
posição de refém dos investidores e dos bancos internacionais,
rezando para que um entendimento rápido com o FMI possa
tornar minimamente administráveis as nossas contas cambiais.
O problema é que há uma travessia muito precária nas próximas semanas em que o Banco
Central não tem condições plenas de balizar o mercado cambial, evitando que fortes oscilações da taxa de câmbio acabem
catapultando-a para uma máxi
explosiva. A sistemática de trabalho do FMI é lenta e inadequada para o enfrentamento
desse tipo de crise de liquidez, e
as nossas reservas não são suficientes para dominar a especulação.
A seguinte lista de eventos
"positivos" teria de ocorrer até o
fim de março para evitar um cenário ainda mais grave de desorganização da economia: 1) o
FMI e o governo precisariam
chegar, logo, a um entendimento sobre o novo programa de
ajuste de forma a viabilizar o
seu exame e aprovação pelo
"board", tornando possível o
desembolso da parcela de US$
9,5 bilhões no mais tardar no
início de abril; 2) a Câmara de
Deputados necessitaria aprovar
a CPMF (votação que exige 3/5),
condição "sine qua non" para o
apoio do FMI; 3) os bancos internacionais precisariam auxiliar o BC a suprir o mercado de
câmbio.
Essa terceira condicionante é
difícil. Não há por parte dos
bancos e investidores disposição
em auxiliar o Brasil voluntariamente. Seria necessário que as
nossas autoridades atuassem
diretamente junto às grandes
instituições que têm interesses
já estabelecidos no país, demandando a sua colaboração. Nesse
sentido, seria muito eficaz se o
Departamento do Tesouro dos
EUA ou o Fed induzissem os
bancos a ampliar a oferta de
cambiais e a recompor as linhas
de crédito para o nosso comércio
exterior, hoje reduzidas a apenas um terço do que eram antes
da crise.
Apenas sob esse conjunto favorável de condições se poderia esperar do Banco Central a implementação de uma trajetória de
recuo da maxidesvalorização,
em direção a uma cotação próxima a R$ 1,70 por dólar. A hipótese de um "choque de credibilidade", aventada pelos economistas conservadores, a ser
obtido por meio de uma radicalização do ajuste fiscal, parece
tão irreal quanto voluntarista,
num contexto em que a recessão
será muito forte, implicando
significativas perdas de receita
tributária e previdenciária. Sem
reduzir substancialmente a taxa
de juros fica impossível diminuir o déficit público, ainda que
se procure implementar cortes
duros nas despesas públicas.
Uma demora adicional na obtenção de controle sobre a taxa
de câmbio -além de abril-
trará graves consequências.
Com efeito, seria crucial firmar
logo nos agentes econômicos a
convicção de que a cotação do
dólar cairá consistentemente no
segundo e terceiro trimestres, de
forma a impedir que a atual rodada de aumentos de preços se
transforme num processo auto-alimentado. Os riscos de reindexação são altos e não devem ser
subestimados se a taxa de câmbio persistir ao redor de R$ 2,00,
oscilando em clima de forte incerteza. Uma significativa onda
de remarcações "preventivas" já
está em andamento, inclusive
em bens "non tradeables". O
grande desafio é justamente o
de evitar que o aumento de preços dos bens "tradeables" se propague velozmente para os demais preços, recriando a indexação. O clima de incerteza favorece a propagação e precisaria ser revertido imediatamente
para evitar que a inflação escape ao controle, problematizando a gestão da taxa de câmbio e
da taxa de juros.
O governo, entretanto, nem
governa, nem sequer parece capaz de influir sobre a formação
de expectativas. Não há uma
formulação estruturada para o
futuro. Os ganhos da desvalorização não estão sendo capitalizados sob a forma de um projeto
de desenvolvimento competitivo, suportado por um superávit
comercial persistente. O desgaste da credibilidade do seu núcleo econômico explica apenas
em parte esta abulia perigosa.
Falta ao comandante pulso e
franqueza para reconhecer o tamanho da crise e conceber as soluções correspondentes. A tônica vem sendo esconder o sol com
a peneira, evadindo-se e minimizando-se a gravidade da situação.
Será necessário que a sociedade se mobilize e exija ação e firmeza. Também parece indispensável que surja, de um novo
arco de alianças entre o setor
empresarial e as entidades organizadas da sociedade, uma nova
proposta de enfrentamento da
crise que reabra o caminho para
um projeto de desenvolvimento
sólido, competitivo e socialmente justo.
²
²
Luciano Coutinho, 53, é professor titular do
Instituto de Economia da Universidade de
Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do
Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|