São Paulo, terça-feira, 28 de março de 2006

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TECNOLOGIA

Complexidade do sistema operacional, sempre compatível com versões anteriores, impede atualização rápida

Domínio do Windows retarda inovação

DO "NEW YORK TIMES"

Por volta de 1998, o governo dos Estados Unidos declarou que seu processo antitruste contra a Microsoft não era apenas uma questão de defender a lei, mas também uma batalha pela inovação. A preocupação era que a empresa decidisse brandir seu poder de mercado e usasse sua estratégia de incorporar cada vez mais recursos a seu sistema operacional, o Windows, para bloquear a concorrência e sufocar a inovação.
Passados oito anos, a verdade é que o Windows está de fato sufocando a inovação -na Microsoft.
O longo esforço da empresa para desenvolver uma nova versão do Windows, chamada Vista, sofreu repetidos atrasos. Na semana passada, a Microsoft anunciou o mais recente revés, ao adiar o lançamento da versão pessoal do novo Windows para janeiro.
Nesses cinco anos, a Apple produziu quatro novas versões de seu sistema operacional Mac, levando ao mercado, antes da Microsoft, recursos que farão parte do Vista, como um sistema de busca na máquina, recursos gráficos tridimensionais avançados e "widgets", pequenos programas de propósito único como obter notícias, gerar relatórios de tráfego e localizar mapas meteorológicos.
Assim, o que há de errado com a Microsoft? Afinal, não há escassez de engenheiros de software capacitados na empresa. O problema, ao que parece, é que o sucesso da Microsoft e sua estratégia de incorporar todos os recursos possíveis ao sistema operacional se tornaram pontos fracos.
O Windows está em 330 milhões de computadores pessoais em todo o mundo. Dezenas de milhares de aplicativos de software desenvolvidos por terceiros operam com base no Windows. E um dos motivos cruciais para que a Microsoft detenha participação de mais de 90% no mercado de sistemas operacionais é que a empresa se esforça para garantir que software e hardware que funcionavam com versões anteriores do Windows continuam a funcionar nas mais recentes -"compatibilidade", em jargão de informática.
Como resultado, cada nova versão do Windows carrega a bagagem de seu passado. À medida que o Windows crescia, os desafios técnicos se tornavam cada vez mais assustadores. Milhares e milhares de engenheiros trabalharam para criar e testar o Windows Vista, um projeto de construção de software imenso e complexo, com mais de 50 milhões de linhas de código, 40% mais que seu predecessor, o Windows XP.
"O Windows se tornou grande e pesado a esse ponto devido ao tamanho de sua base de código, às dimensões de seu ecossistema e à insistência da empresa em manter a compatibilidade com hardware e software mais antigos, e agora o programa torna tudo mais lento", disse David B. Yoffie, professor de administração da Universidade Harvard.
Em memorando interno divulgado em outubro, Ray Ozzie, vice-presidente de tecnologia da Microsoft, que começou a trabalhar para a empresa no ano passado, escreveu que "a complexidade mata. Ela suga a vida das equipes de desenvolvimento, torna difícil planejar, construir e testar os produtos, gera desafios de segurança e causa infinitas frustrações a administradores e usuários".

Do zero
O Vista também sofreu atrasos porque o projeto teve de ser reiniciado no terceiro trimestre de 2004. Àquela altura, se tornara claro a James Allchin, o executivo de engenharia que comanda a equipe do Vista, bem como a outros da Microsoft, que a maneira pela qual a empresa estava tentando construir a nova versão do Windows, então conhecida como Longhorn, não funcionaria.
Dois anos de trabalho foram jogados no lixo e alguns recursos planejados acabaram abandonados, como o sistema inteligente de armazenagem de dados WinFS.
O projeto retomado, decidiu a Microsoft, adotaria nova abordagem. O Vista foi desenvolvido na forma de módulos que poderiam ser unidos como blocos de Lego, o que tornaria mais fácil administrar o desenvolvimento e os testes.
"Eles tomaram a decisão certa quando aceitaram que o código do Longhorn era um mixórdia impossível de salvar e começaram de novo", disse Michael A. Cusumano, professor de administração do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). "Mas o Vista continua a ser uma estrutura imensamente complexa."

Lições da Apple
Céticos como Cusumano dizem que para resolver os problemas do Windows seria necessária uma abordagem mais radical: a disposição de abandonar o passado. Um exemplo instrutivo, dizem, é aquilo que aconteceu na Apple.
Basta lembrar que Steve Jobs voltou à Apple porque os esforços da empresa para desenvolver o sistema operacional Copland fracassaram. Jobs convenceu a Apple a adquirir sua empresa, a Next, em 1996, por US$ 400 milhões, para usar o sistema operacional que ela havia desenvolvido.
Jobs e sua equipe levaram dois anos para reformular e reequipar o Next e fazer dele o que viria a ser o Mac OS X. Quando o novo sistema chegou ao mercado, em 2001, representava essencialmente o completo abandono do sistema operacional anterior da Apple, o OS 9. Os aplicativos concebidos para o OS 9 funcionariam em uma máquina com o OS X, mas só por meio de ativação separada do velho sistema operacional.
A abordagem não era muito elegante, mas permitiu que a Apple adotasse nova tecnologia e um sistema operacional mais estável, com projeto muito mais elegante. O único sacrifício foi a perda da compatibilidade entre o OS X e os programas antigos do Mac, passo que a Microsoft sempre se recusou a dar no caso do Windows.
E a Apple, que produz sistemas operacionais que funcionam apenas nas máquinas que ela fábrica, não precisa lidar com o maciço ecossistema empresarial da Microsoft, com centenas de fabricantes de PCs e milhares de empresas fornecedoras de software.
"Esse lastro é também um dos pilares da força da Microsoft e motivo para que parceiros setoriais e usuários mantenham o Windows, mesmo que seu tamanho e questões estratégicas retardem inovações. A menos que a Microsoft consiga ganhar agilidade, os consumidores talvez tenham de aceitar um Windows cada vez pior, com o tempo, e isso é lastimável", disse Yoffie.


Tradução de Paulo Migliacci


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