São Paulo, Domingo, 28 de Março de 1999
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ENTREVISTA
Assessor de Malan afirma que meta de inflação será de longo prazo
Ainda não é hora de abaixar a guarda, diz Amaury Bier

VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

VIVALDO DE SOUSA
da Sucursal de Brasília

O governo vai definir metas de inflação de longo prazo quando adotar, no segundo semestre, o novo modelo da política de estabilização da economia. "Os objetivos devem ser de mais longo prazo", disse à Folha o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Amaury Bier.
O sistema de metas de inflação, ou "inflation targeting", foi definido com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para substituir a âncora cambial como base da estratégia de estabilização.
Até a flutuação do câmbio, o sustentáculo do Plano Real era o câmbio sobrevalorizado -as importações ficavam baratas e mantinham os preços sob controle. Com o "inflation targeting", o governo define uma meta de inflação para um período e passa a adotar as medidas necessárias para cumpri-la -como juros altos e cortes de gastos.
O economista citou como exemplo a Inglaterra, que adota o mesmo modelo, onde já foi usado um período de dois anos para definir a meta de inflação. Ele não quis dizer, porém, se esse espaço de tempo também será escolhido no Brasil.
Um prazo mais longo dá mais flexibilidade ao governo para cumprir suas metas. Num período mais curto, a meta pode ser inviabilizada devido a oscilações nos índices de inflação provocadas por crises momentâneas ou efeitos sazonais (alta de um determinado produto por escassez, por exemplo).
Amaury Bier deve assumir em abril o posto de secretário-executivo do Ministério da Fazenda, na prática o vice-ministro, com a ida de Pedro Parente para o lugar do ministro Paulo Paiva (Orçamento e Gestão).
Um dos principais negociadores com o FMI, o secretário disse que a previsão para 99 de queda do PIB (Produto Interno Bruto) contida no acordo com o Fundo, de 3,5% a 4%, foi conservadora. Ele chega a apostar num número melhor: entre 2,5% e 3%.
Apesar da melhora na situação econômica do país nos últimos dias, Bier afirmou que "ainda não é hora de abaixar a guarda". Ele não acredita, porém, que seja necessário adotar novas medidas para mostrar ao mercado que o governo manterá sua disposição de promover um ajuste fiscal.
A seguir, trechos da entrevista concedida na última quinta-feira:
Folha - A meta de inflação, dentro da nova política econômica, é a que está prevista no acordo com o FMI , de 16,8%?
Amaury Bier -
O que existe no acordo são cenários necessários para que os compromissos assumidos sejam quantificados. Que permitam o cálculo dos compromissos, das metas indicativas e dos critérios de desempenho. Nós estamos falando de uma coisa diferente no caso das metas de inflação: uma missão clara para o Banco Central no que diz respeito à política monetária. Uma missão quantitativa e avaliada em termos de metas inflacionárias.
Folha - As metas inflacionárias podem ser trimestrais ou semestrais?
Bier -
Não há definição sobre isso. No início, os objetivos devem ser de mais longo prazo. Não podem ser objetivos de curto prazo.
Folha - A meta pode ser então de um ano ou até superior a 12 meses?
Bier -
Vários países adotam prazos mais dilatados. Por exemplo, metas de dois anos. A Inglaterra usou, pelo menos num primeiro momento, metas de dois anos.
Folha - É a inflação acumulada ou a do último mês do período que vale como meta?
Bier -
Me refiro à taxa acumulada de inflação. Essa é a fórmula mais adequada de olhar o problema.
Folha - O Congresso Nacional será informado periodicamente sobre o comportamento dessas metas?
Bier -
Essa é uma idéia presente nas nossas intenções, mas, neste momento, é difícil explicitar algo que ainda está sendo discutido. O assunto será discutido principalmente com o Banco Central e, portanto, não seria bom eu me aprofundar mais sobre o tema.
Folha - No âmbito do Banco Central, isso envolve algum tipo de mudança nos compulsórios recolhidos pelas instituições financeiras?
Bier -
Não sei. Não discutimos esse tema ainda. Evidentemente há idéias a esse respeito e estudos que precisam ser aprofundados. Uma das idéias é reformular um pouco a estrutura de compulsórios (do dinheiro que os bancos captam, uma parcela tem de ser recolhida obrigatoriamente ao BC). O compulsório sobre depósitos à vista no Brasil é muito alto hoje. Qualquer comparação internacional mostra isso. Mas isso não tem uma relação direta e imediata com o tema da meta inflacionária.
Folha - O governo já deixou claro que, no caso das metas inflacionárias, vai trabalhar com um índice de preços ao consumidor. Mesmo esses indicadores estão sujeitos aos efeitos sazonais. Esses efeitos serão expurgados, como já é feito pelos países que adotam esse tipo de meta?
Bier -
Teremos uma definição a respeito disso mais adiante. A idéia de tomar um índice de preços ao consumidor para efeito da estrutura de metas inflacionárias é uma idéia vencedora. Com relação a buscar o núcleo inflacionário, essa é uma discussão que ainda não foi feita e sobre a qual ainda não há nenhuma indicação.
Folha - Os institutos que pesquisam taxas de inflação já indicam que há uma desaceleração na remarcação de preços. O senhor acha que a taxa deste ano ficará abaixo dos 16,8% previstos no acordo com o FMI?
Bier -
O que nós tentamos fazer foi olhar para o intervalo entre os indicadores que mostram a variação de preços no atacado e ao consumidor. E, para fechar o trabalho, tivemos que definir um índice e foi 16,8%.
Folha - O presidente Fernando Henrique Cardoso acha que a inflação não vai chegar a esse patamar...
Bier -
Certamente não acontecerá nos índices de preço ao consumidor. A perspectiva é de uma inflação bem mais baixa.
Folha - De quanto o sr. acha que será? A Fipe (Fundação Instituto de Pesquisa Econômica) projeta algo entre 10% e 12%...
Bier -
Podemos tomar a estimativa da Fipe como uma avaliação razoável e compatível com o IGP de 16,8%.
Folha - Com a queda do dólar, a situação está melhor do que se imaginava?
Bier -
A evolução é positiva. Mas eu acho que ainda não é hora de abaixar a guarda. Vamos trabalhar no sentido de manter essa trajetória de melhoria que está se insinuando. Ela certamente não pode ser considerada uma realidade já estabelecida. É preciso ainda muito cuidado e atenção.
Folha - Essa posição mais conservadora é fruto das experiências recentes, quando o governo passava por uma crise, adotava medidas fiscais e, depois, relaxava nos controles?
Bier -
Não considero essa uma descrição adequada do que aconteceu nos últimos anos, pelo menos desde que eu me juntei ao governo. E tampouco acho que seja o caso agora. Do ponto de vista do ajuste fiscal, que é o elemento central desse processo todo, nós estamos com todas as medidas necessárias ou praticamente todas já aprovadas. É uma questão de tempo para elas entrarem em vigor. Estou confiante em que os dados fiscais com os quais nos comprometemos serão cumpridos.
Folha - Mesmo com a maioria das medidas aprovada, não seria o caso de adotar medidas fiscais adicionais para sinalizar ao mercado que o governo não vai relaxar seu controle?
Bier -
Não é o caso de trazer novas medidas, mas mostrar nas divulgações mensais o que nós nos propusemos a fazer e o que está acontecendo. É uma questão ligada ao acompanhamento das medidas que definimos e não de criar novas medidas para fazer um ajuste ainda mais forte, desnecessário do ponto de vista fiscal e que não me parece razoável.
Folha - A queda de 3,5% a 4% do PIB está se revelando uma previsão conservadora?
Bier -
Na minha opinião, ela é uma previsão conservadora. Acho que o desempenho da economia não será tão negativo quanto está projetado. Eu achava isso antes e continuo achando. Mas a decisão de usar um número como esse no programa foi com um objetivo de aderência a uma percepção geral de mercado e que agrega credibilidade às projeções de resultado fiscal, na medida em que as projeções de receitas são dependentes do desempenho do nível de atividade econômica.
Folha - Qual a sua projeção pessoal?
Bier -
Eu não gostaria de cravar números. Meu palpite é que seja algo entre 2,5% e 3% de queda do PIB. Mas quero deixar claro que essa é uma previsão muito difícil de ser feita.


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