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OPINIÃO ECONÔMICA
Fantasias tributárias na Internet
MAILSON DA NÓBREGA
Como acontece em transformações como as que vêm sendo
promovidas pela Internet, estão
surgindo fantasias de toda ordem. Uma delas diz respeito às
consequências da rede sobre a
tributação.
Alguns já decretaram que a
Internet tornará impossível alcançar os contribuintes. No governo brasileiro, diz-se que a rede tornou obsoletas as atuais
formas de tributação e que as
discussões sobre a reforma tributária versam sobre idéias do
passado.
Assim, questões como guerra
fiscal ou o local de tributação do
consumo -se no Estado de origem ou do destino- não resistirão à evolução tecnológica. Será
inevitável, afirma-se, o uso de
impostos como a CPMF para tributar o consumo.
Sustenta-se que, ao criar a
CPMF, o Brasil se credenciou como pioneiro na revolução que
vem por aí. Fora do governo, fala-se que os sistemas tributários
atuais vão perecer em virtude da
expansão do comércio eletrônico via Internet.
Se não forem submetidas a
uma reflexão adequada, essas
visões ganham aparência de
profundidade. Fascinam o público menos informado, particularmente os que enxergam poderes mágicos na tecnologia de
informação e na Internet.
Felizmente, nada autoriza
concluir sobre o fim das formas
tradicionais de tributar o consumo. Não há nenhuma base para
provar que a Internet tornará
obsoletos impostos sobre o valor
agregado (IVA). E dificilmente o
mundo embarcaria na estultice
da CPMF.
A única grande verdade nesse
mar de futurismo sem futuro é
que a Internet vai virar um problema para a tributação do consumo nos EUA, onde o imposto é
cobrado do consumidor final, o
conhecido "sales tax".
Decisões da Suprema Corte
americana estabeleceram que a
autoridade fiscal de um Estado
não pode exigir que um varejista localizado em outro território
cobre o "sale tax" de um consumidor residente naquele Estado.
O varejista somente é obrigado a cobrar o "sales tax" se possuir alguma presença física
(uma filial, por exemplo) no dito
Estado. Por isso, se um residente
da Califórnia comprar uma
mercadoria em Nova York, não
estará sujeito ao imposto.
Entre as razões para a posição
da Suprema Corte está a desuniformidade do "sale tax". Atualmente, cerca de 7.600 jurisdições
cobram o imposto e nem todas
adotam a mesma alíquota. Seria impossível saber, no momento da venda, quanto cobrar.
Esse é um velho problema tributário americano, que existe
no comércio de fronteira (como
nas compras dos nova-iorquinos
em Nova Jersey e vice-versa) e
nas vendas por catálogo. Pode
tornar-se dramático com as
compras via Internet.
O Congresso americano criou
uma comissão presidida pelo governador do Estado de Virgínia,
James Gilmore, para encontrar
uma saída e evitar que se venha
a tributar a própria Internet, o
que seria um absurdo.
A comissão não chegou até
agora a um consenso, embora
muitos de seus membros já se tenham convencido de que a alternativa final incluirá medidas
para uniformizar o "sale tax"
em todo o território nacional, o
que enfrentará fortes objeções.
O problema não existe nos impostos de consumo baseados no
método do valor agregado
(IVA), como são os casos do
ICMS e do IPI. O fato gerador do
imposto é a saída da mercadoria
do estabelecimento, e não a forma ou o local de aquisição.
No Brasil, a compra pela Internet não cria um risco de sonegação diferente daquela realizada
por catálogo ou por telefone, fax
e televisão. Um prestador de serviço já podia trabalhar remotamente antes da Internet, usando
o fax e o telefone.
A Internet pode agravar problemas já existentes no Imposto
de Renda. Antes dela, a mobilidade de capitais e de pessoas já
permitia que contribuintes mudassem de país em busca de alíquotas marginais mais baixas.
Isso pode aumentar.
O trabalho via Internet vai
aprofundar a discussão sobre jurisdição. Quem deve arrecadar o
imposto sobre uma renda originada em outro país? Será o país-sede da empresa que pagou a
renda ou aquele em que reside
quem a percebeu?
Nas recentes discussões na
União Européia sobre retenção
na fonte em aplicações feitas em
outro país, o Reino Unido sugere
evitá-la, fornecendo informações sobre cidadãos que investem na City de Londres. Como
ficaria o sigilo bancário?
Há, como se vê, muita discussão à frente, mas o IVA continuará viável enquanto não for
possível transformar um bem
material em "bits" e transmiti-los por via digital.
Nesse caso, compraremos coco
verde na Paraíba. Faremos o
"downloading" da água para o
disco rígido ou um CD. Consumiremos conforme a necessidade. Aí, sim, o atual sistema de
tributação do consumo baseado
no IVA estará definitivamente
obsoleto.
Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da
Fazenda (governo José Sarney), sócio da
Tendências Consultoria Integrada, escreve
às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br
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