São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA
Fantasias tributárias na Internet

MAILSON DA NÓBREGA

Como acontece em transformações como as que vêm sendo promovidas pela Internet, estão surgindo fantasias de toda ordem. Uma delas diz respeito às consequências da rede sobre a tributação.
Alguns já decretaram que a Internet tornará impossível alcançar os contribuintes. No governo brasileiro, diz-se que a rede tornou obsoletas as atuais formas de tributação e que as discussões sobre a reforma tributária versam sobre idéias do passado.
Assim, questões como guerra fiscal ou o local de tributação do consumo -se no Estado de origem ou do destino- não resistirão à evolução tecnológica. Será inevitável, afirma-se, o uso de impostos como a CPMF para tributar o consumo.
Sustenta-se que, ao criar a CPMF, o Brasil se credenciou como pioneiro na revolução que vem por aí. Fora do governo, fala-se que os sistemas tributários atuais vão perecer em virtude da expansão do comércio eletrônico via Internet.
Se não forem submetidas a uma reflexão adequada, essas visões ganham aparência de profundidade. Fascinam o público menos informado, particularmente os que enxergam poderes mágicos na tecnologia de informação e na Internet.
Felizmente, nada autoriza concluir sobre o fim das formas tradicionais de tributar o consumo. Não há nenhuma base para provar que a Internet tornará obsoletos impostos sobre o valor agregado (IVA). E dificilmente o mundo embarcaria na estultice da CPMF.
A única grande verdade nesse mar de futurismo sem futuro é que a Internet vai virar um problema para a tributação do consumo nos EUA, onde o imposto é cobrado do consumidor final, o conhecido "sales tax".
Decisões da Suprema Corte americana estabeleceram que a autoridade fiscal de um Estado não pode exigir que um varejista localizado em outro território cobre o "sale tax" de um consumidor residente naquele Estado.
O varejista somente é obrigado a cobrar o "sales tax" se possuir alguma presença física (uma filial, por exemplo) no dito Estado. Por isso, se um residente da Califórnia comprar uma mercadoria em Nova York, não estará sujeito ao imposto.
Entre as razões para a posição da Suprema Corte está a desuniformidade do "sale tax". Atualmente, cerca de 7.600 jurisdições cobram o imposto e nem todas adotam a mesma alíquota. Seria impossível saber, no momento da venda, quanto cobrar.
Esse é um velho problema tributário americano, que existe no comércio de fronteira (como nas compras dos nova-iorquinos em Nova Jersey e vice-versa) e nas vendas por catálogo. Pode tornar-se dramático com as compras via Internet.
O Congresso americano criou uma comissão presidida pelo governador do Estado de Virgínia, James Gilmore, para encontrar uma saída e evitar que se venha a tributar a própria Internet, o que seria um absurdo.
A comissão não chegou até agora a um consenso, embora muitos de seus membros já se tenham convencido de que a alternativa final incluirá medidas para uniformizar o "sale tax" em todo o território nacional, o que enfrentará fortes objeções.
O problema não existe nos impostos de consumo baseados no método do valor agregado (IVA), como são os casos do ICMS e do IPI. O fato gerador do imposto é a saída da mercadoria do estabelecimento, e não a forma ou o local de aquisição.
No Brasil, a compra pela Internet não cria um risco de sonegação diferente daquela realizada por catálogo ou por telefone, fax e televisão. Um prestador de serviço já podia trabalhar remotamente antes da Internet, usando o fax e o telefone.
A Internet pode agravar problemas já existentes no Imposto de Renda. Antes dela, a mobilidade de capitais e de pessoas já permitia que contribuintes mudassem de país em busca de alíquotas marginais mais baixas. Isso pode aumentar.
O trabalho via Internet vai aprofundar a discussão sobre jurisdição. Quem deve arrecadar o imposto sobre uma renda originada em outro país? Será o país-sede da empresa que pagou a renda ou aquele em que reside quem a percebeu?
Nas recentes discussões na União Européia sobre retenção na fonte em aplicações feitas em outro país, o Reino Unido sugere evitá-la, fornecendo informações sobre cidadãos que investem na City de Londres. Como ficaria o sigilo bancário?
Há, como se vê, muita discussão à frente, mas o IVA continuará viável enquanto não for possível transformar um bem material em "bits" e transmiti-los por via digital.
Nesse caso, compraremos coco verde na Paraíba. Faremos o "downloading" da água para o disco rígido ou um CD. Consumiremos conforme a necessidade. Aí, sim, o atual sistema de tributação do consumo baseado no IVA estará definitivamente obsoleto.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br


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