|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O FMI e o déficit
No Brasil políticas públicas são aquelas que dependem apenas de uma assinatura e de uma comemoração. Mais que isso é pedir muito. Típico desse comportamento é essa celebração em torno
da possibilidade do FMI de excluir investimento de estatal
saudável da contabilidade do
déficit público.
O conceito é correto e deveria
ter sido adotado havia mais
tempo. A questão básica é que,
a esta altura do campeonato,
não vai mudar em uma vírgula
a política fiscal e monetária.
Há dois tipos de contabilidade do déficit público: o primário (que leva em conta despesas
menos receitas, excluído o serviço da dívida) e o déficit nominal (que leva em conta também o serviço da dívida).
Devido à política monetária
de juros altos, praticada pelo
Banco Central há anos, a dívida pública chegou a níveis considerados perigosos, por volta
de 58% do PIB. Para evitar elevação ainda maior, o governo
precisa gerar reais que permitam pagar os juros. Hoje em
dia, todo o superávit primário
gerado não cobre metade do
que se necessita para pagar os
juros da dívida. Há um déficit
nominal rombudo.
Se os investimentos de estatais forem excluídos do cálculo
do déficit primário, contabilmente o superávit primário
melhora. É apenas uma mudança de conceito. O montante
de reais para cobrir o serviço
da dívida continuará o mesmo.
E onde se irão buscar os reais
adicionais para impedir a explosão da dívida?
Imagine uma empresa com
1.000 de faturamento, 900 de
despesas operacionais e investimentos e 200 de pagamento
de juros. O resultado operacional dela é de 100 positivos. O resultado financeiro, de 100 negativos.
Suponha que desses 900 de
despesas 800 sejam despesas
operacionais, e 100, investimentos. Se em vez de divulgar
os 900 como despesas a empresa resolver tratar 800 como despesas operacionais e 100 como
investimentos, ela poderá dizer
que o resultado operacional subiu de 100 para 200. Mas irão
continuar faltando os mesmos
100 para cobrir os juros. Porque
o dinheiro do investimento terá que sair de algum lugar.
O que a proposta apresentada ao FMI faz é apenas mudar
a rubrica da contabilidade,
mas não altera em um tostão o
resultado financeiro da empresa. O resultado financeiro depende de três fatores:
1) Aumento de receita. No caso do governo, aumento de impostos.
2) Redução das despesas.
3) Redução dos juros.
Aumento de impostos não dá
mais. Então, para acreditar
que os investimentos aumentarão, será necessário acreditar
que:
a) o Banco Central vai começar a derrubar as taxas reais e
nominais de juros e entender
que é obrigação sua, além do
combate à inflação, ter responsabilidade fiscal.
b) O governo vai conseguir
ganhar competência administrativa para racionalizar despesas.
São esses dois pontos que impedem a ampliação do investimento público e das estatais, e
não uma mera mudança de
conceito contábil. Em outros
tempos -quando o único problema do país era a dependência do FMI-, essa mudança
iria ajudar. Não agora, quando existe um problema efetivo
de endividamento público,
criado pela irresponsabilidade
de sucessivos governantes.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Imposto de renda/Folha - IOB Thomson Próximo Texto: Telefonia: Telmex terá de resolver dívida com BNDES Índice
|