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OPINIÃO ECONÔMICA
Um olhar mais profundo
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Existem certas palavras que,
em uma determinada língua,
são muito mais expressivas que
em outras, embora com o mesmo
significado. Em alguns casos, essa
força se realiza pela simples utilização, com uma pequena adaptação, da palavra estrangeira. É o
caso por exemplo da palavra internet. Em outras situações, principalmente com palavras de menor uso popular e conteúdo mais
sofisticado, somos obrigados a
usar o nome estrangeiro pura e
simplesmente.
Eu gosto muito da expressão inglesa "gaze", que quer dizer um
olhar profundo e detalhado sobre
os acontecimentos que presenciamos. Gaze não é simplesmente
olhar, mas um entender, na sua
profundidade, o que ocorre ao
nosso redor. Meu primeiro contato
com essa palavra aconteceu quando assisti a um filme maravilhoso
chamado "Ulysses's Gaze". Procurando compreendê-la melhor descobri que na atividade profissional como economista, principalmente na minha maturidade, já a
vinha utilizando sem saber.
Entender os fenômenos econômicos, dentro de um determinado
contexto histórico, exige do analista essa capacidade de olhar com
profundidade para o que está
acontecendo ao seu redor. Vejamos o caso da economia brasileira
nos dias de hoje. Vivemos um momento virtuoso, com a inflação
controlada, um crescimento econômico elevado para os padrões
históricos brasileiros, embora bem
menor do que o de outros países
emergentes, e uma melhora acentuada na renda dos segmentos
mais pobres da sociedade brasileira. Podemos criticar, e meu leitor
sabe que tenho feito isso neste espaço, a ausência de muitos ajustes
que deveriam estar sendo feitos
para aumentar ainda mais essa
dinâmica. O desempenho do Brasil está muito aquém do potencial,
mas o país está no caminho certo.
Já vemos os primeiros sinais de
que a campanha eleitoral do presidente Lula será baseada na comparação entre seu governo e o período Fernando Henrique. E a
mensagem que já se mostra clara é
a de que seu governo é muito melhor do que o de seu antecessor.
Talvez isso apareça para aqueles
que apenas lancem um olhar distraído e superficial para os últimos
três anos e meio. Mas para os que,
como no filme "Ulisses's Gaze",
procuram penetrar na profundidade dos acontecimentos recentes,
o quadro é totalmente diverso.
O caminhar exitoso da economia brasileira, nos dias de Lula e
de seu populismo tosco, ocorre por
duas razões principais: um quadro
conjuntural internacional de extraordinário vigor e uma política
econômica herdada do seu antecessor. A primeira é fortuita e portanto independente do mérito do
nosso presidente atual. Já a segunda, que permite que nos beneficiemos dessa situação favorável, foi
criada por ação de um presidente
com visão histórica e capacidade
política de mudar os rumos do
país. Foram as reformas e as privatizações realizadas nos anos
FHC, junto com a abertura comercial organizada, que permitem ao
Brasil beneficiar-se do momento
que o mundo vive hoje.
O nosso presidente tem associado à sua gestão as mudanças para
melhoria na qualidade de vida do
brasileiro de menor renda. Mas o
que não diz é que o aumento do
poder de compra do salário mínimo e das transferências via o programa Bolsa-Família -também
criado no governo de Fernando
Henrique- é explicado principalmente pela valorização cambial,
que influencia os preços agrícolas.
A valorização do real contribuiu
para forte deflação desses preços
nos últimos 12 meses.
O valor do novo salário mínimo,
medido em termos de relação com
o valor da cesta básica, é hoje cerca de 60% maior do que o que vigorava há 12 meses. Isso ocorre
apesar de um aumento nominal
de apenas 17% neste mesmo período. A diferença corresponde aos
efeitos da valorização do real. Ora,
a queda da cotação do dólar ocorreu porque o Brasil gera hoje um
excesso próximo a US$ 30 bilhões
anuais em sua balança de pagamentos. E essa sobra é fruto da expansão expressiva de nossas exportações gerada por uma política
de abertura comercial iniciada de
forma sistemática nos anos FHC.
E para mostrar que o discurso
atual do presidente Lula é ainda
mais leviano, basta dizer que durante décadas ele e seu partido político defenderam a idéia que exportar era uma forma de diminuir
a renda dos brasileiros. No caso
dos alimentos, isso até era considerado por eles um crime de lesa-pátria. Temos em nossa língua uma
palavra que expressa bem o que
está sendo praticado pelo presidente: oportunismo.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63,
engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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