São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 2006

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CONFLITO INTERNO

Mantega discorda de velocidade da queda dos juros sinalizada pelo comitê; Meirelles reclama com Lula, que o apóia

Ata do Copom gera atrito entre Fazenda e BC

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Aconteceu ontem o primeiro grande conflito entre a Fazenda e o Banco Central desde a substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega no comando da equipe econômica, em 27 de março.
Após o BC sinalizar ontem que pode reduzir a intensidade da queda dos juros, Mantega disse na Fiesp que há espaço de sobra para continuar cortando a taxa Selic.
Apesar de concordar com o conteúdo das declarações de Mantega, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reprovou a forma dos comentários, públicos e numa linha contrária ao BC.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e diretores da instituição ficaram contrariados. Meirelles fez chegar a Lula que, com declarações assim, Mantega só contribuiria para dificultar o processo de queda dos juros.
Com a fama de "desenvolvimentista" de Mantega, Meirelles ganhou força no governo por ser visto pelo mercado como um fiador das políticas implementadas na gestão Palocci. Lula não quer mercados tensos em ano eleitoral.
Meirelles já vem tendo dificuldades internas com alguns diretores, especialmente Afonso Bevilaqua (Política Econômica), que só ficou na equipe após a saída de Palocci por insistência do presidente do Banco Central.
Diretores do BC disseram ter "saudade" de Palocci, que, nas declarações públicas, sempre defendia a política monetária, ainda que tivesse discordâncias e as manifestasse nos bastidores.
A Folha apurou que Lula pretende ter uma conversa com Mantega para pedir que evite colisões com o BC. O presidente deseja chegar à fase mais importante da campanha eleitoral com a menor taxa de juros nominal e real da história recente do país. Meirelles tem feito articulações no BC para tentar atingir esse objetivo.
Ao dar declarações que se chocaram frontalmente com a ata do BC, Mantega atrapalha a negociação entre Lula e Meirelles. Um conflito com Mantega só reforçará a ortodoxia do BC quando a margem de manobra de Meirelles é pequena.

Mínimo e inflação
Segundo a Folha apurou, Meirelles disse a Lula que a entrada de recursos na economia com a elevação do salário mínimo de R$ 300 para R$ 350 a partir de abril gerará uma leve pressão nos preços que contribuirá para que a inflação do ano convirja para a meta de 4,5%. Hoje, as previsões dão conta de uma inflação ligeiramente menor que a meta.
Ou seja, haverá aquecimento da economia a partir de agora, quando esquenta também a campanha eleitoral, que será combatido sem elevação dos juros. Daí as menções cautelosas do BC na ata da reunião da semana passada do Copom (Conselho de Política Monetária do BC), divulgada ontem.
Na ata, o BC diz que reduzirá os juros "com mais parcimônia" a partir de agora. Mantega, que participava de reunião do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) na Fiesp, em São Paulo, disse que a ata pode ser interpretada de várias maneiras e que, dado o cenário atual, nada indica que os juros não possam continuar caindo.
"[A redução do ritmo de queda dos juros] é apenas uma das interpretações possíveis. É claro que há uma posição de cautela, mas como as metas estão sendo alcançadas, vai haver uma redução da taxa de juros e aumento do crédito", disse Mantega.
O ministro não comentou o ritmo em que os juros cairiam, disse que "essa é uma atribuição do Copom". Mas insinuou que não há motivo para não esperar novas quedas. "Como eles [os técnicos do Copom] se pautam pela lógica e são bons analistas econômicos, eles estão vendo o que está acontecendo. Não há nada, nenhuma pressão inflacionária que nos autorize a pensar que nós vamos mudar de rota ou que vai haver uma inflexão na política monetária", completou Mantega.
O ministro disse que se precipitou quem deduziu pelo conteúdo da ata que os juros necessariamente cairão mais devagar. "O mercado deduz uma coisa agora, daqui a uma semana deduz outra." Apesar da insistência do ministro, a ata do Copom é clara. Prega que "a flexibilização adicional da política monetária seja conduzida com parcimônia". "Vamos discutir isso ao longo do tempo. Fiquem tranqüilos porque a taxa continuará caindo", repetiu o ministro da Fazenda.


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