São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 2006

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LUÍS NASSIF

A Bolívia e as multinacionais brasileiras

A crise Brasil-Bolívia é um caso típico de diplomacia condescendente e empresas arrogantes, com comportamento típico de velhas potências coloniais. Essa é a visão de um experiente negociador brasileiro do setor privado, que passou por inúmeros países de Terceiro Mundo.
A diplomacia comercial é parte importante nos projetos estratégicos do país. Ocorre que, especialmente no relacionamento com países menores, as empresas brasileiras ainda não têm jogo de cintura, cultura diplomática. São arrogantes, como os ingleses pré-Segunda Guerra.
O presidente boliviano, Evo Morales, é um cocaleiro rústico, com noção difusa sobre interesse nacional, que terá que passar por um processo duro até aprender a negociar de igual para igual com parceiros comerciais.
Mas o que está acontecendo com algumas empresas privadas é um jogo sujo, feito à margem da cultura e da lei local, diz o observador. O caso da aciaria da EBX, de Eike Batista, é uma vergonha para o Brasil, diz ele. Em sua opinião, o empresário não está criando caso para não ter que expor à opinião pública brasileira detalhes de seu projeto. Em um país com as reservas de gás da Bolívia, ele planejou levantar uma aciaria à base de carvão vegetal, destruindo um ecossistema, em uma localização proibida pela própria Constituição boliviana. Fosse no Brasil, o empresário seria escorraçado.
As empresas brasileiras ainda não entenderam a importância do respeito pela história, pela antropologia dos países em que atuam, nem preocupação em montar acordos locais de longo prazo, com consórcios adequados e pragmáticos. Entram com boca torta e acabam pagando caro por isso, diz o observador.
No caso da Petrobras, chegou à Bolívia com a cabeça em Brasília e com a cultura do "petróleo é nosso" -da mesma maneira que a Standard Oil em relação ao Brasil, quando começamos a nos preparar para criar nossa própria indústria de petróleo. Até na Argentina, a Petrobras não teve humildade nos contatos iniciais com as autoridades. Se é para substituir os velhos colonizadores, diz ele, que vão para a França e para a Inglaterra aprender como se fazia na época da colonização.
Uma empresa tem que entrar em um país com visão de longo prazo, de permanecer por lá por 50 anos, como parceria. Essa visão de longo prazo é que define a atitude. Quem não se comprometer com o longo prazo será punido. O executivo tem que se dar conta de que, ali, ele sempre será estrangeiro. Se passar desses limites, acaba dificultando sua vida, da sua empresa e -no caso da EBX- do próprio Brasil.
Uma proposta de construção de um complexo petroquímico na Bolívia seria muito mais eficiente do que toda a retórica do Itamaraty.

Dívidas com a Varig
Uma luz se acendeu sobre a Varig: um enorme passivo dos Estados, na forma de cobrança indevida de ICMS. Até janeiro de 2006, esse passivo chegava a R$ 1,3 bilhão, R$ 985 milhões dos quais referentes à Varig, R$ 300,5 milhões à Cruzeiro, R$ 84 milhões à Rio-Sul e R$ 16 milhões à Nordeste. O Rio de Janeiro é o único Estado sem passivo.
É a esperança à qual o governo federal está se apegando para conseguir o fôlego adicional que dê tempo para a venda da Varig.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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