São Paulo, domingo, 28 de maio de 2006

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Banco Central e Fazenda divergem na turbulência

Recompra de papéis pelo Tesouro e falta de ação da autoridade monetária para conter dólar são contestadas

Críticos dizem que governo não tem que atenuar risco de investidores com resgate de títulos e que papel do BC é evitar volatilidade

SHEILA D"AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O primeiro teste da nova equipe econômica diante da mudança de humor no cenário internacional foi marcado por um descompasso entre as atuações do Ministério da Fazenda e do Banco Central. A preocupação em não deixar na mão investidores estrangeiros que vieram ao país aplicar em títulos prefixados de longo prazo levou o Tesouro Nacional a recomprar os papéis daqueles que queriam deixar o Brasil.
Essa atuação acabou pressionando a cotação do dólar, o que, na avaliação de analistas, deveria ter sido atenuado pelo BC -o que não ocorreu. Resultado: a moeda chegou a R$ 2,40 na quarta, e a semana foi marcada por perdas na rentabilidade de muitas aplicações financeiras.
Um dos técnicos envolvidos na avaliação do que foi feito disse à Folha que o prejuízo doeu fundo em muita gente, mas que não houve, na atuação do Tesouro, o objetivo de evitar perda para o investidor. Foi apenas para atender uma procura pela troca de títulos públicos.
Questionado sobre a operação, Carlos Kawall, secretário do Tesouro, disse que foi feita porque "o mercado perdeu a referência de preço com a volatilidade [no preço dos títulos], causada pela baixa liquidez".
A atuação do Tesouro dividiu opiniões dentro e fora do governo. Enquanto uns defendiam que os investidores sabem o risco que correm e, portanto, o governo não tem que atenuar prováveis prejuízos em momentos de turbulência, outros argumentam que o papel do BC é evitar uma volatilidade excessiva, que só prejudica a credibilidade do país.
De um lado, a grande preocupação dentro do governo era não comprometer um mercado novo que começou a se desenvolver neste ano, após a equipe econômica isentar do pagamento do IR (Imposto de Renda) os estrangeiros que aplicarem em títulos públicos. Como são investidores com perfil diferente dos nacionais -eles demandam papéis mais longos-, os estrangeiros são importantes para mudar o perfil de financiamento da dívida pública brasileira, que ainda é muito concentrada no curto prazo.
Do outro lado, segundo a Folha apurou, havia uma interpretação de que uma atuação mais forte do BC no câmbio na semana passada dificultaria a definição dos juros na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do BC), marcada para começar na terça. Isso porque o BC ficaria mais inseguro em relação ao patamar que o câmbio se estabilizará diante das mudanças de humor no cenário internacional.
Os investidores estrangeiros são fortes compradores de títulos corrigidos pelo IPCA com prazo de vencimento até 2045. Quanto mais longo o título, mais difícil é repassá-lo em período de estresse e, portanto, maior o prejuízo. Como esse mercado de longo prazo está começando no Brasil, os papéis são pouco negociados fora dos leilões tradicionais que o Tesouro faz semanalmente.
Diante da falta de liquidez, em momentos de crise, o dono do papel tem que aceitar um preço desfavorável se quiser se desfazer do título e sair do Brasil. Foi isso o que aconteceu.


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