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São Paulo, sábado, 28 de junho de 2003

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LUÍS NASSIF

A volta da profecia

Nas colunas anteriores tentei descrever didaticamente o modelo de política monetária e cambial adotado desde o Plano Real. À medida que o modelo ia se esfacelando, foi sendo substituído por um jogo de slogans mágicos, que não fechavam entre si.
Tome-se uma dessas frases mágicas, abundantemente brandida em 1995, desmoralizada de 1999 em diante, mas que volta como um morto-vivo para assombrar o país, nas palavras do chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamiro Lopes, à jornalista Claudia Safatle, do "Valor".
Está ocorrendo desinvestimento no país, com multinacionais tirando o time e nenhum centavo de investimento novo entrando. Ao mesmo tempo, o Banco Central pratica uma política deliberada de valorizar o real para reduzir o superávit comercial e voltar a depender de capitais de risco para fechar as contas. Qual a explicação de Altamiro? Diz ele que o Brasil estava no primeiro estágio de recuperação dos investimentos externos, que é a volta dos capitais especulativos. Agora está entrando no segundo, que é a volta do financiamento de prazo mais longo. Em breve entrará no terceiro, que é a volta do capital de investimento. Enquanto isso, o dinheiro continua saindo.
A lógica do bravo Altamiro é que os capitais de risco funcionariam como batedores, para ver se o campo está minado. Depois que comprovar que o terreno é seguro, abre-se espaço para o capital de investimento.
O Brasil tem larga tradição de investimento externo aqui, multinacionais de todas as partes do mundo. Só faltava uma GM, Ford, Wal-Mart precisarem dos batedores dos fundos de derivativos do Armínio Fraga e do Ilan e de tantos ex-diretores do BC para saber se podem investir no Brasil. O que as multinacionais do setor produtivo querem é: 1) perspectivas de crescimento na economia; e 2) um ambiente de estabilidade cambial.
A partir de 1994, o BC trabalhou para valorizar o real e reduzir o superávit comercial -os dólares que entram por meio do comércio exterior. Essa política deixou o país cada vez mais dependente desse capital especulativo, exigindo juros cada vez maiores. O país parou de crescer, a renda e o consumo caíram. Matou um dos pressupostos para atrair investimento externo.
Depois, a dependência externa tornou-se tão elevada que uma hora explodiu, infligindo pesados prejuízos ao capital de investimento -aquele que, segundo o bravo Altamiro, só vai aonde o capital especulativo for. Matou o segundo pressuposto para atração de investimentos.
Onde o capital de investimento se sente mais seguro, em uma economia que dependa mais ou dependa menos do capital especulativo? Em qualquer país racional a pergunta seria considerada estúpida, posto que a resposta é óbvia.
Quando o superávit comercial explodiu para US$ 18 bilhões ao ano, estava aberto o caminho para reduzir essa dependência. Agora se volta à mesma rota de 1995, em cima dos mesmos slogans.
O duro nem é saber que o diretor do Departamento de Economia do BC ainda insiste nessa profecia. É saber que mudam ministros da Fazenda e presidentes de BC, mas os erros continuam rigorosamente os mesmos.

E-mail - luisnassif@uol.com.br


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