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LETRA CAPITAL
As lições da conta 88888
SÉRGIO LÍRIO
da Reportagem Local
Mais de 200
anos de existência e a responsabilidade de cuidar do dinheiro
de figuras ilustres do Reino
Unido, entre
elas a rainha Elizabeth 2ª, não foram suficientes para que o banco
Barings aprendesse duas lições
(pelo menos antes que fosse tarde
demais).
A primeira é que nunca se deve
deixar, em qualquer jogo, que um
único jogador participe das partidas e controle a mesa.
A segunda é que, ao contrário do
que pensavam os diretores do banco, ganhar dinheiro não é tão fácil,
fora as exceções de praxe.
Quando Nick Leeson, aos 25
anos, foi transferido para Cingapura, o Barings não só deixou que
ocupasse uma dupla função como,
nos primeiros resultados de seu
trabalho, passou a acreditar que
ganhar dinheiro era fácil demais.
Repare na frase de Peter Baring,
presidente do conselho de administração, dita em 93: "A recuperação da lucratividade tem sido espantosa...levando o Barings a concluir que não é tão difícil assim ganhar dinheiro no negócio de títulos mobiliários".
Gerente geral de futuros do Barings em Cingapura, Leeson era,
ao mesmo tempo, chefe do pregão
(quer dizer, comandava as transações do banco na Simex, a Bolsa de
Valores) e do "back office" (setor
que liquidava as operações efetuadas pelo banco no dia).
A posição privilegiada lhe garantia o poder de manipular informações enviadas a Londres. Irresponsável, inexperiente para o cargo
que ocupava, ele não hesitou em
reverter a jogada a seu favor na primeira vez em que algo deu errado.
O "jeitinho" de Leeson se chamava 88888, uma conta inativa na
qual lançava perdas acumuladas.
Como a conta não aparecia nos registros enviados a Londres, era
possível alterar os saldos no final
do mês e transformar, num passe
de mágica, prejuízos em lucros.
Manipulando constantemente
os dados, Leeson conseguiu, durante três anos, convencer a matriz
em Londres a enviar cada vez mais
dinheiro para cobrir suas operações em Cingapura. Quanto mais
ele falseava as informações, mais
libras o Barings enviava para a
construção de seu próprio túmulo.
A brincadeira começou com US$
250 mil e acabou em um prejuízo
de cerca de US$ 1 bilhão, na falência do Barings, em 95, e na condenação de Leeson a seis anos e meio
de prisão em Cingapura.
A pergunta de todo o episódio é
como Leeson conseguiu enganar
por tanto tempo todos os executivos do Barings e o grupo externo
de auditores que inspecionava
suas operações.
É bom lembrar que aqui não se
fala em fraude no futebol brasileiro, mas em uma das mais tradicionais instituições financeiras do
Reino Unido, que se orgulhava de
ter financiado reis em todo o mundo e cujos diretores encarnavam a
imagem de geniais e espertos.
Essa perplexidade é expressada
melhor no relatório da Bolsa de
Cingapura sobre o caso.
"A explicação... (de) que a administração superior do grupo Barings acreditava que as operações
do sr. Leeson representavam pouco (ou nenhum) risco, mas proporcionavam um excelente retorno, é implausível e em nossa opinião demonstra um grau de ignorância da realidade do mercado
que carece por completo de credibilidade", dizia o relatório.
Na autobiografia "A história do
homem que levou o Barings à falência", Nick Leeson procura provar justamente que a opinião da
direção do Barings era plausível e
refletia um grau de ignorância
quase inacreditável.
De forma didática -o livro tem
até um glossário com os termos
mais complexos do mercado de futuros- Leeson narra os passos
dessa comédia de erros e descreve
os executivos do Barings como um
bando de idiotas incapazes.
Além de desancar o Barings, a
história de Leeson mostra que o
"mercado" não é formado só pelos melhores. Incompetentes, irresponsáveis e trapalhões também
sobrevivem nele -e até por muito
tempo. Leeson durou três anos,
mas o Barings levou 233 para desmoronar.
A OBRA
"A história do homem que
levou o banco Barings à falência" - Nick Leeson (tradução de Pinheiro Lemos).
Editora Record, rua Argentina,
171, Rio, CEP 20921-380, telefone (021) 585-2047. 336 páginas.
R$ 25,00
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