São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 2002

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LUÍS NASSIF

A indústria da música brasileira

Produto brasileiro de maior penetração internacional, único com acesso às redes globais de distribuição e à grande mídia global, a música popular brasileira ainda padece da ausência de uma política de desenvolvimento adequada.
O tema precisa ser tratado do ângulo estritamente econômico. Não é papel do Estado selecionar o que é ou não é música a ser apoiada, mas definir o marco de um ambiente microeconômico favorável, que permita o florescimento de uma indústria musical competitiva.
As vantagens competitivas da música brasileira são evidentes. Tem-se o maior e o melhor estoque de músicos instrumentais do planeta, um contingente apreciável de compositores e de composições -tanto contemporâneas como de outros tempos-, uma variedade incomparável de ritmos, da música regional ao pop, arranjadores de primeira, cantores e cantoras de nível, vários popstars de projeção internacional. Mais: com o advento da música digital, há uma produção independente sem paralelo com outros períodos. Hoje em dia, há milhares de músicos produzindo seus próprios CDs com qualidade digital, estúdios espalhados por todo o país.
O sapato pega em duas áreas: na produção propriamente dita (o que se poderia chamar de embalagem, design e promoção) e na distribuição.
No caso da produção, ainda existe bastante amadorismo na MPB: capas descuidadas e pouca preocupação em saber o que o público quer -em cima do falso purismo de "não fazer concessões ao mercado". Mas a comercialização é o ponto central a impedir a modernização e o crescimento do mercado da música popular.
O mercado interno brasileiro se escora em três pilares básicos: indústria fonográfica, sistema de radiodifusão e roteiro de shows. Em geral, lança-se o disco, o sistema de radiodifusão divulga, alavancando as vendas e, depois delas, os shows.
Esse modelo esbarra em alguns pontos complexos -que dependem exclusivamente do governo para serem corrigidos. O primeiro, a questão do direito autoral, um sistema pouco transparente. O segundo -e mais sério-, a indústria dos jabás (os pagamentos efetuados a emissoras para a divulgação de discos de gravadoras).
Investir em novos nomes, planejar lançamentos nacionais e internacionais e atacar nichos de mercado -tudo isso exige planejamento estratégico, capacidade de enfrentar riscos, produtores ousados e criativos, como os de outros tempos.
O jabá acabou com essa capacidade de inovação, burocratizou as grandes gravadoras, sufocou as independentes. O trabalho desses campeões da burocracia consiste em apostar naquilo que deu certo em outra gravadora e irrigar as emissoras com jabás. Cria-se uma atividade sem risco e sem oportunidades. Ou se criminaliza definitivamente essa prática -já que configura crime de direito econômico- ou não se romperá o círculo vicioso que emperra a música brasileira.
O passo seguinte consiste em identificar o que é o mercado de distribuição, tanto interna como externamente. Para mim, um bom trabalho setorial do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sobre a cadeia produtiva da música traria mais benefícios do que qualquer lei de incentivo fiscal. Ajudaria a esclarecer os investidores, a identificar as oportunidades de negócio, a atrair novas empresas para a área, rompendo o monopólio das grandes gravadoras. Especialmente agora que as novas formas de distribuição digital abrem perspectivas antes jamais imaginadas.
O outro passo seria a organização da informação sobre a rede de casas de espetáculos existentes em todo o país, de forma a facilitar o contato dos produtores independentes.
O momento é propício porque há um contingente apreciável de grandes artistas soltos por aí, pela falta de interesse das grandes gravadoras em investir nessa área.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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