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OPINIÃO ECONÔMICA
A volta do sempre eterno Keynes
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Os acontecimentos terríveis ocorridos nos Estados
Unidos nas últimas semanas estão provocando na sociedade desse país um amplo debate sobre
vários de seus valores fundamentais. A percepção da fragilidade
da segurança interna de seus cidadãos, apesar de todo o aparato
militar da nação mais poderosa
do mundo, é um desses pontos de
perplexidade. Outro evento extraordinário tem sido a descoberta de que a nação, apesar de sua
força, não pode ficar isolada do
resto do mundo. A aprovação pelo Congresso, a toque de caixa, da
autorização para que o governo
finalmente pague sua conta de
quase US$ 1 bilhão com a ONU é
uma prova inconteste desse fato.
Na minha opinião, entretanto,
o mais extraordinário debate em
curso tem sido o que envolve a redefinição do papel do Estado em
uma sociedade moderna. Uma
reviravolta extraordinária depois
da consolidação das idéias de que
o governo só atrapalha a dinâmica privada, principalmente nas
atividades relacionadas com a
economia. As provas de que estamos passando por essas mudanças estão presentes de maneira
clara no noticiário, riquíssimo, da
imprensa americana. Os recursos
fiscais de emergência para salvar
a indústria do transporte aéreo, a
presença do Tesouro como segurador de última instância no caso
de desastres provocados por atentados terroristas, a assunção pelas
forças federais pela tarefa de garantir a segurança dos aeroportos
são apenas a ponta do iceberg representado pela revisão ampla do
papel do governo.
Mas a questão mais importante
é sem dúvida a demanda por
uma ação keynesiana do governo
para injetar força na combalida
economia do país. Mais extraordinário ainda é o fato de que o
presidente do Federal Reserve, o
fantástico Alan Greenspan, seja
uma das vozes por trás desse movimento. O grande economista
inglês, uma das mentes mais lúcidas que já apareceram na história econômica da humanidade,
tinha sido enterrado por uma segunda vez nos EUA pelos adeptos
do liberalismo liderado por outro
grande economista, Milton Friedman. Tendo seu nome e princípios econômicos erradamente associados à febre inflacionária dos
anos 70, Keynes passou a ser considerado nos meios acadêmicos e
dos negócios apenas como um sujeito excêntrico e criador de casos.
O sucesso econômico dos Estados Unidos após o período Reagan, principalmente na década
de 90, criou uma nova geração de
economistas que sempre desqualificaram os ensinamentos de
Keynes. Por outro lado, um grupo
de seus seguidores acabou por
aprofundar essa rejeição na medida em que transformou as
idéias de seu mestre em um fundamentalismo -sempre ele-
burro e pretensioso.
Um último ato nesse processo
de destruição do arcabouço analítico e teórico do keynesianismo
parecia ter sido a fracassada experiência japonesa dos últimos
anos. A tentativa do governo de
retirar o país de uma longa depressão por meio de um agressivo
programa de obras públicas, aparentemente seguindo as idéias de
Keynes, foi um desastre. Poucos
perceberam que a culpa dessa
derrota estava em uma leitura errada dos verdadeiros problemas
japoneses, e não na força dos instrumentos sugeridos nos textos do
economista inglês.
Com a derrocada da economia
americana e a perspectiva de
uma crise profunda e longa nessa
orgulhosa sociedade, o nome do
autor da Teoria Geral volta a ser
usado indevidamente. O grande
mérito de Keynes não está no que
ele escreveu, mas na metodologia
de análise das economias de mercado, em condições limites, criadas pela natureza humana que
existe nos agentes econômicos racionais agindo em sociedade. Essa diferença é muito sutil tanto
para aqueles que por motivo
ideológico se opõem à ação do Estado na economia como para
aqueles que transformaram as
idéias de Keynes em uma receita
de bolo para gerir, no dia-a-dia,
as economias de mercado. É preciso entender que os ensinamentos contidos em seus livros representam suas análises aplicadas a
uma institucionalidade econômica particular, a do período 1920/
1930, que nada tem ver com a que
existe hoje em nosso mundo global. Já sua metodologia de análise
é atemporal.
A crise americana de hoje tem
muito de semelhante com a ocorrida na década de 30 -e a japonesa de 1989-, na medida em
que a sua principal causa foi a
ruptura de uma bolha especulativa com ações. Mas as diferenças a
partir daí são gritantes, o que nos
obriga a fazer uma lição de casa
importante antes de sair gastando dinheiro público em pirâmides
ou, o que é pior, em créditos fiscais de natureza errada. No caso
do Japão, o fracasso da ação do
governo derivou da incapacidade
do governo de entender o papel
dos créditos podres no sistema
bancário do país e da própria natureza psicossocial de seu povo.
Na situação americana, o ponto
mais importante a ser considerado é o papel do investimento maluco, que foi realizado no setor de
alta tecnologia, que virou pó. O
excesso de investimentos no setor
de comunicações e transmissão
de dados, inclusive nas redes da
internet, drenou várias dezenas
de bilhões de dólares de recursos
da economia, que hoje estão sem
utilização comercial.
Se Keynes fosse hoje vivo, certamente, em vez de sugerir que o governo gastasse dinheiro na construção de pirâmides, como ele fez
nos anos 30, aconselharia ao presidente Bush ocupar com fofocas
esse elefante branco construído
nos EUA pelos gênios da nova
economia.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 58,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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