São Paulo, sexta-feira, 28 de setembro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

A volta do sempre eterno Keynes

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Os acontecimentos terríveis ocorridos nos Estados Unidos nas últimas semanas estão provocando na sociedade desse país um amplo debate sobre vários de seus valores fundamentais. A percepção da fragilidade da segurança interna de seus cidadãos, apesar de todo o aparato militar da nação mais poderosa do mundo, é um desses pontos de perplexidade. Outro evento extraordinário tem sido a descoberta de que a nação, apesar de sua força, não pode ficar isolada do resto do mundo. A aprovação pelo Congresso, a toque de caixa, da autorização para que o governo finalmente pague sua conta de quase US$ 1 bilhão com a ONU é uma prova inconteste desse fato.
Na minha opinião, entretanto, o mais extraordinário debate em curso tem sido o que envolve a redefinição do papel do Estado em uma sociedade moderna. Uma reviravolta extraordinária depois da consolidação das idéias de que o governo só atrapalha a dinâmica privada, principalmente nas atividades relacionadas com a economia. As provas de que estamos passando por essas mudanças estão presentes de maneira clara no noticiário, riquíssimo, da imprensa americana. Os recursos fiscais de emergência para salvar a indústria do transporte aéreo, a presença do Tesouro como segurador de última instância no caso de desastres provocados por atentados terroristas, a assunção pelas forças federais pela tarefa de garantir a segurança dos aeroportos são apenas a ponta do iceberg representado pela revisão ampla do papel do governo.
Mas a questão mais importante é sem dúvida a demanda por uma ação keynesiana do governo para injetar força na combalida economia do país. Mais extraordinário ainda é o fato de que o presidente do Federal Reserve, o fantástico Alan Greenspan, seja uma das vozes por trás desse movimento. O grande economista inglês, uma das mentes mais lúcidas que já apareceram na história econômica da humanidade, tinha sido enterrado por uma segunda vez nos EUA pelos adeptos do liberalismo liderado por outro grande economista, Milton Friedman. Tendo seu nome e princípios econômicos erradamente associados à febre inflacionária dos anos 70, Keynes passou a ser considerado nos meios acadêmicos e dos negócios apenas como um sujeito excêntrico e criador de casos.
O sucesso econômico dos Estados Unidos após o período Reagan, principalmente na década de 90, criou uma nova geração de economistas que sempre desqualificaram os ensinamentos de Keynes. Por outro lado, um grupo de seus seguidores acabou por aprofundar essa rejeição na medida em que transformou as idéias de seu mestre em um fundamentalismo -sempre ele- burro e pretensioso.
Um último ato nesse processo de destruição do arcabouço analítico e teórico do keynesianismo parecia ter sido a fracassada experiência japonesa dos últimos anos. A tentativa do governo de retirar o país de uma longa depressão por meio de um agressivo programa de obras públicas, aparentemente seguindo as idéias de Keynes, foi um desastre. Poucos perceberam que a culpa dessa derrota estava em uma leitura errada dos verdadeiros problemas japoneses, e não na força dos instrumentos sugeridos nos textos do economista inglês.
Com a derrocada da economia americana e a perspectiva de uma crise profunda e longa nessa orgulhosa sociedade, o nome do autor da Teoria Geral volta a ser usado indevidamente. O grande mérito de Keynes não está no que ele escreveu, mas na metodologia de análise das economias de mercado, em condições limites, criadas pela natureza humana que existe nos agentes econômicos racionais agindo em sociedade. Essa diferença é muito sutil tanto para aqueles que por motivo ideológico se opõem à ação do Estado na economia como para aqueles que transformaram as idéias de Keynes em uma receita de bolo para gerir, no dia-a-dia, as economias de mercado. É preciso entender que os ensinamentos contidos em seus livros representam suas análises aplicadas a uma institucionalidade econômica particular, a do período 1920/ 1930, que nada tem ver com a que existe hoje em nosso mundo global. Já sua metodologia de análise é atemporal.
A crise americana de hoje tem muito de semelhante com a ocorrida na década de 30 -e a japonesa de 1989-, na medida em que a sua principal causa foi a ruptura de uma bolha especulativa com ações. Mas as diferenças a partir daí são gritantes, o que nos obriga a fazer uma lição de casa importante antes de sair gastando dinheiro público em pirâmides ou, o que é pior, em créditos fiscais de natureza errada. No caso do Japão, o fracasso da ação do governo derivou da incapacidade do governo de entender o papel dos créditos podres no sistema bancário do país e da própria natureza psicossocial de seu povo. Na situação americana, o ponto mais importante a ser considerado é o papel do investimento maluco, que foi realizado no setor de alta tecnologia, que virou pó. O excesso de investimentos no setor de comunicações e transmissão de dados, inclusive nas redes da internet, drenou várias dezenas de bilhões de dólares de recursos da economia, que hoje estão sem utilização comercial.
Se Keynes fosse hoje vivo, certamente, em vez de sugerir que o governo gastasse dinheiro na construção de pirâmides, como ele fez nos anos 30, aconselharia ao presidente Bush ocupar com fofocas esse elefante branco construído nos EUA pelos gênios da nova economia.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 58, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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