São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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EM TRANSE

Governos discutem mecanismo que permite a países endividados convocar credores para renegociar valor de títulos

G-7 e emergentes adotam "cláusula de calote"

Shawn Thew/France Presse
Policial observa ativistas que protestam contra o Banco Mundial e o FMI em Washington


DE WASHINGTON

O G-7 e um grupo de países emergentes concordaram em adotar uma espécie de "cláusula do calote" em seus títulos públicos. Numa decisão tomada na noite de quinta-feira, governos decidiram definir, até dezembro, o texto padrão de uma "cláusula de ação coletiva" que passará a ser usada em seus títulos. Além da Itália, países como a Coréia do Sul e o México poderão testá-la já no começo do ano que vem, o que poderia reduzir a frequência e a gravidade de crises financeiras em mercados emergentes.
Cláusulas de ação coletiva permitem a governos endividados convocar credores para renegociar ordenadamente os valores dos títulos. Se essas cláusulas forem adotadas, governos não precisarão mais obter a aprovação unânime de todos os credores para conseguir condições melhores de pagamento em situações de dificuldade, mas só de uma maioria.
Pelos contratos hoje usados nas principais praças financeiras, um único credor tem o direito e o poder de impedir um país de fechar um acordo com todos os detentores de seus títulos, ainda que a maioria aceite renegociar.
O único grande mercado em que cláusulas de ação coletiva já são usadas é o Reino Unido, que as exige por lei. Todos os países que emitem títulos no mercado londrino, como o Brasil, já incluem essas cláusulas nos contratos que acompanham a compra de papéis. Mas eles não são obrigados a colocar esse instrumento nos títulos lançados nos EUA, maior economia mundial.
O exemplo inglês foi usado como parâmetro das discussões de quinta-feira à noite. Alguns países -como o Brasil- só aceitam incluir essas cláusulas em seus títulos externos se elas forem exatamente iguais às de Londres. Outros países e o setor privado querem cláusulas que protejam mais o interesse dos investidores. Essa é uma das divergências ainda existentes.
A reunião de quinta-feira foi acompanhada por um grupo de 20 bancos e pela vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger.
Em seminário realizado ontem, Krueger disse que a reunião foi muito proveitosa e que "não há razão para que não se incluam essas cláusulas nos contratos. Isso já é feito no Reino Unido. Está começando a ser feito no Japão. Só falta fazer nos EUA".
Krueger disse que uma segunda divergência ainda existente é se as cláusulas devem ser adotadas para o estoque da dívida já emitida -um total de US$ 244 bilhões de países emergentes.
Os defensores dessa idéia dizem que, como os títulos têm duração de até 30 anos, demoraria muito tempo para mudar o perfil total da dívida se apenas os novos títulos contiverem essa cláusula.
O governo brasileiro contestou o argumento, apontando o fato de que, apesar da longa duração desses papéis, eles são normalmente trocados por outros títulos num prazo médio de sete anos.
Inicialmente, o governo brasileiro foi um dos principais opositores dessa idéia. Membros da equipe econômica diziam que a introdução da cláusula lançaria uma sombra sobre a capacidade de resgate da dívida brasileira, aumentando seus custos.
Os bancos também eram contra a idéia quando ela foi inicialmente proposta pelo FMI, em 1998. Robert Gray, presidente do escritório londrino do banco HSBC, disse ontem que essas cláusulas são úteis porque evitam crises, em vez de tentar contorná-las. John Taylor, subsecretário do Tesouro dos EUA para assuntos internacionais, disse que a reunião foi "muito proveitosa". (MARCIO AITH)


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