São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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ARTIGO

Se o G-7 é a esperança, o mundo que se prepare para o abismo

GERARD BAKER
DO "FINANCIAL TIMES"

Há muitas razões para questionarmos o discernimento dos manifestantes que vão tentar atrapalhar as reuniões do FMI, Banco Mundial e G-7 neste fim de semana. Mas a mais importante é que eles parecem agir movidos pela ilusão de que as pessoas que vão se reunir em Washington têm o desejo de controlar a atividade econômica global -ou, o que é menos provável ainda, que elas tenham a capacidade para isso.
O verdadeiro motivo pelo qual os cidadãos preocupados com a situação mundial deveriam sair às ruas não é que os principais responsáveis por traçar as políticas econômicas mundiais tenham planos malvados para manipular o planeta. Pelo contrário: é que, mesmo com o crescimento econômico cada vez mais lento, quase parando, os mercados financeiros mergulhando até profundezas não vistas nos últimos seis anos e a confiança de empresas e consumidores diminuindo a olhos vistos, eles estão deixando transparecer que não têm nada a propor em termos de planos.
É claro que se pode esperar demais dos planejadores econômicos. No final, os esquemas grandiosos pensados mesmo pelos mais poderosos governantes raramente se seguram diante dos bilhões de decisões individuais tomadas diariamente nos mercados. Mesmo assim, em tempos problemáticos, uma boa política pode ajudar, pelo menos marginalmente, enquanto uma política ruim pode causar ainda mais prejuízo. E um olhar rápido lançado sobre a performance e as perspectivas do G-7 é desanimador. Se é esse o comitê encarregado de salvar o mundo, o mundo pode ir se preparando para cair no abismo.

Japão
Em ordem descendente de incompetência, comecemos pelo Japão. É preciso dar o troféu aos japoneses. Cada vez que se tem a impressão de que a política econômica daquele país malfadado não poderia piorar, ela piora. Na semana passada, o Banco do Japão anunciou seu mais recente plano "astuto" para arrancar a economia da recessão em que está atolada há uma década. Disse que compraria títulos de dívidas dos balancetes dos bancos confrontados com uma base de capital cada vez menor, em razão da agonia prolongada dos mercados de ações japoneses.
Em nenhum momento pareceu provável que o plano pudesse decolar; longe de oferecer uma solução para o problema fundamental dos empréstimos que os bancos fizeram e que não têm esperanças de recuperar, o BC japonês oferecia mais uma maneira de os bancos evitarem tratar o problema de frente. E os danos que poderia causar ao balancete do próprio banco central eram assustadores.
Dito e feito. O Banco do Japão agora está dizendo que a proposta não foi feita a sério, mas só a título de terapia de choque, para obrigar o governo a tomar medidas agressivas quanto ao problema das dívidas podres. Em outras palavras: após passar dez anos reorganizando as cadeiras no convés do Titanic, os responsáveis por traçar as políticas seguidas pela segunda maior economia mundial, agora, quando o iceberg aparece cada vez maior, se vêem reduzidos a discutir a direção em que as cadeiras devem ser posicionadas e quem deve colocá-las no lugar.

Europa
Temos, também, o caso da Europa. É verdade que Gerhard Schröder jogou com o fator antiamericano para conseguir uma vitória vinda de trás nas eleições alemãs e é compreensível que a administração americana esteja chateada com ele. Mas o ressentimento da administração Bush diante do discurso de Schröder deixa de levar em conta o mais importante: o verdadeiro motivo de preocupação é que a reeleição de Schröder quase certamente condena a Alemanha a mais anos de mercados trabalhistas rígidos, um ambiente regulamentador sufocante, horrores fiscais de longo prazo e estagnação econômica.
Isso não quer dizer que Edmund Stoiber teria necessariamente representado uma mudança radical; na maioria das questões, as políticas advogadas pela democracia cristã não oferecem soluções melhores do que aquelas defendidas pelos social-democratas. O que nos obriga a parar para pensar é que o voto representou uma reafirmação popular do status quo, num país que está se convertendo no Japão da Europa.
Uma situação que gera prisão de ventre na maior economia da Europa poderia não fazer muita diferença para o mundo se as políticas fiscal e monetária européias estivessem agindo como lubrificantes. Mas o pacto de estabilidade e crescimento da União Européia, muito inflexível demais quando criado, está começando a se desfazer. Enquanto isso, o BCE (Banco Central Europeu) continua determinado a travar a guerra derradeira. À medida que o crescimento europeu diminui, o BCE continua a preocupar-se com os riscos da inflação (alguém se lembra dela? Estava alta nos anos 70 e 80).

EUA
E isso nos conduz até os EUA. Para sermos justos, os planejadores econômicos de Washington têm feito uso da política econômica de maneira mais agressiva, com vistas a fazer a economia, em ponto morto, ""pegar". É especialmente verdade no front monetário; o estímulo fiscal do ano passado foi, na melhor das hipóteses, um acidente de sorte. Mas a credibilidade dos líderes econômicos dos EUA está sendo questionada de uma maneira que não se vê há anos. As viagens de Paul O'Neill -homem que tende a sofrer acidentes diversos- pela selva dos mercados internacionais não ajudaram em nada a gerar um clima de confiança na política econômica americana. E, no Fed, a reputação antes cristalina de Alan Greenspan está começando a se turvar um pouco. A atitude defensiva que ele adotou recentemente quanto à política seguida pelo Fed durante os excessos dos mercados acionários no final dos anos 90 e a incerteza quanto à possibilidade de estímulos monetários, mesmo agressivos, conseguirem reanimar a economia pós-bolha, tudo isso faz com que as avaliações da eficiência de Greenspan sejam, necessariamente, expressas em termos condicionais.
Mesmo que seja possível restaurar a credibilidade americana, os esforços dos planejadores econômicos ficarão em segundo plano, por algum tempo, diante dos tambores de guerra que estão sendo tocados por outros setores de Washington, mais influentes. Incerteza cada vez maior nos EUA, indiferença do BCE, estagnação crônica na Alemanha e paralisia cheia de discussões menores no Japão. Essas seriam coisas que os manifestantes neste final de semana fariam bem em criticar.


Tradução de Clara Allain

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