UOL


São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRABALHO

Segundo investigação, empresas e sindicatos usam CCPs para fraudar direitos e reduzir indenizações trabalhistas

Força-tarefa aponta crime em comissões

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES

DA REPORTAGEM LOCAL

Após um ano de investigação, uma força-tarefa formada pelo Ministério Público Federal, pela Procuradoria Regional do Trabalho de São Paulo e pela Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo constatou crime nas Comissões de Conciliação Prévia (CCPs), criadas para resolver conflitos entre patrões e empregados.
Essas comissões, que começaram a surgir em janeiro de 2000 para desafogar a Justiça do Trabalho, segundo investigações dessa equipe, transformaram-se num negócio "rentável" para sindicatos e empresas ao fraudar direitos trabalhistas e arrecadar dinheiro.
Os ministérios públicos Federal e do Trabalho constataram que essas comissões são montadas para coagir o trabalhador a abrir mão de direitos trabalhistas e encobrir a sonegação de obrigações sociais -como o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e a contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Ao ser encaminhado a essas comissões, o trabalhador é pressionado a aceitar o parcelamento de verbas rescisórias (FGTS, saldo de salário, férias e 13º) -proibido pelo artigo 477 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)- para beneficiar a empresa que o demitiu. E tudo com o aval do sindicato do trabalhador, que lucra com o negócio ao cobrar taxas para prestar o serviço.
No entender da força-tarefa, essas comissões cometem crime contra a organização do trabalho, ao coagir o trabalhador a receber verbas rescisórias em parcelas, e contra a União, ao negociar verbas de interesse público, como a multa de 40% do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Ao ser demitido sem justa causa, o trabalhador deve receber 40% do valor do FGTS numa conta em seu nome na Caixa Econômica Federal. Se esse valor não for depositado, a União perde o controle desses recursos, aplicados pelo governo federal em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana.
O MPF constatou que, em algumas dessas comissões, o trabalhador é vítima de uma falsa homologação. Ao acertar as contas com a empresa nas CCPs, o empregado recebe um termo de conciliação -e não de rescisão-, o que não lhe dá o direito de sacar o FGTS nem o de dar entrada no pedido de seguro-desemprego. Os cálculos referentes ao fundo são embutidos em um "pacote" de direitos pagos de forma parcelada ao trabalhador, revela a investigação.
"O pagamento das verbas não é feito de forma transparente e não permite a verificação detalhada dos valores que foram sonegados aos trabalhadores", informa auditoria da DRT feita em duas das comissões sob investigação.
As ações criminosas das comissões foram constatadas pelo MPF ao investigar o Núcleo Intersindical de Conciliação Prévia do Sindicato dos Condutores em Transportes Rodoviários de Cargas Próprias de São Paulo. Esse núcleo foi criado pelo sindicato, ligado à Força Sindical, e pelo Simpi (Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo).
O MPF identificou que, nesse núcleo, as verbas rescisórias de 148 funcionários demitidos dos hotéis Maksoud Plaza e Eldorado foram pagas na comissão, quando as homologações deveriam ter sido feitas na DRT ou no sindicato dos hoteleiros.
O pagamento foi parcelado, quando deveria ter sido feito de uma só vez. Mais: esse núcleo recebeu trabalhadores de outra categoria -ao contrário do que determina a portaria nº 329, de agosto de 2002, que estabelece regras para a instalação e o funcionamento das CCPs e dos núcleos. A portaria determina que as CCPs devem conciliar apenas conflitos de trabalhadores que pertencem à categoria profissional das entidades sindicais que as instituíram.
"Há indícios de ação criminosa na forma como foram feitas as conciliações dos trabalhadores", diz Sérgio Suiama, procurador do Ministério Público Federal.

No bolso
Os fiscais da DRT, após constatarem as irregularidades, multaram os dois hotéis. No Eldorado, a multa foi de R$ 15.450,47. No Maksoud, de R$ 19.090,23. Os hotéis recorreram.
Segundo os fiscais, ao descumprir a lei, o Eldorado deixou de recolher R$ 239.386 em obrigações sociais -FGTS e contribuição ao INSS- no período de setembro de 2002 a março deste ano. No caso do Maksoud, esse valor corresponde a R$ 144.541,12 -só em janeiro deste ano, considerando cálculos de 48 demitidos.
A autuação não pesou no caixa das empresas. A multa do Eldorado representa 6,45% do que o hotel deixou de pagar aos cofres da União. No Maksoud, 13,21%.
"Os hotéis não tinham dinheiro para pagar as demissões em massa e, por isso, mandaram os trabalhadores fazer a rescisão de forma parcelada no núcleo. Foi uma ação combinada entre empresa e sindicato", diz Luís Alexandre de Faria, auditor fiscal do trabalho.
O mais grave, segundo os fiscais, é que, além de sonegar o pagamento ao FGTS e ao INSS, os valores pagos aos trabalhadores tinham erros. "Na nossa auditoria, encontramos diferenças entre os valores que foram pagos e o que os trabalhadores deveriam receber. Os empregadores também deixaram de pagar correção monetária nos valores parcelados", afirma o fiscal.

Texto Anterior: Mil e um recursos: Lula quer atrair investimentos de árabes
Próximo Texto: Outro lado: Simpi alega que entidades estão "dentro da lei"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.