São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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LUÍS NASSIF

Uma imensa Argentina

Nas colunas passadas, procurei explicar os sucessivos erros de política econômica à luz desse processo de internacionalização da poupança. Quando se permitir que a poupança seja dolarizada completamente, o que ocorrerá com o país?
Há um jogo com dois tempos, visando permitir a internacionalização do grande capital brasileiro. Quando Pérsio Arida, Edmar Bacha e André Lara Rezende propõem a conversibilidade, como garantia da certeza "jurisdicional", o que se quer é libertar o grande capital nacional do seu "pecado original", de estar atrelado a um país pouco desenvolvido, para integrar o universo do grande capital internacional.
Aí, o Brasil será apenas uma alternativa a mais de investimento. Esse capital poderá evaporar a qualquer crise mais séria, como já evaporou nas sucessivas crises cambiais de 1994 para cá. A conta sempre será paga pelos que ficarem por aqui.
O modelo praticado pelo Real, mantido pelo segundo governo Fernando Henrique Cardoso e aprofundado pelo governo Lula, segue uma lógica inexorável. No primeiro momento, o Brasil funciona como uma plataforma para impulsionar o grande capital nacional.
Para completar esse movimento, as sucessivas políticas econômicas trabalham em cima de duas prioridades únicas. A primeira, garantir a capacidade do país de pagar juros elevados a esse capital. A segunda, a de garantir espaço para o crescimento continuado da dívida.
Pegue as "lições de casa" pregadas nesse período. Desvinculação orçamentária, para reduzir gastos com educação e saúde. Contingenciamento de fundos constitucionais, para garantir o superávit fiscal. Esvaziamento fiscal dos Estados. A preocupação com gastos sociais, expressa nessa tal de focalização (focalizar os públicos a serem atendidos), em vez de uma preocupação virtuosa com a gestão dos recursos sociais, é pretexto para reduzir os gastos sociais.
O discurso em torno da melhoria microeconômica, do investimento em infra-estrutura e quetais, também sempre foi pretexto para justificar as taxas de juros elevadas. Investimentos essenciais em infra-estrutura, educação, tecnologia nunca foram prioridade nem com Malan, nem com Palocci, nem com sucessivos secretários do Tesouro ou presidentes de Banco Central, nem com nenhum desses bravos formuladores do Real.
Sob Fernando Henrique Cardoso, houve o massacre da estrutura de pequenas e médias empresas nacionais e o legado de grandes empresas nacionais. Sob Lula, começa o segundo tempo do jogo, a perda da identidade nacional das grandes empresas brasileiras.
O capital da AmBev já se internacionalizou. O da CSN está a caminho, em uma fusão qualquer no futuro. Em pouco tempo, a maior parte da produção da Gerdau será internacional, assim como as demais multinacionais criadas no período anterior.
Não tenha dúvida: o próximo presidente da República, seja nas próximas eleições, seja na outra, se Lula for reeleito, será o político que apresentar idéias claras sobre como resgatar o Brasil da sina de vir a se transformar em uma imensa Argentina.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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