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OPINIÃO ECONÔMICA
Javalis
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Disse recentemente nesta coluna que "os próximos
anos vão definir não apenas o futuro como o próprio passado... Se
o país der certo, as mudanças (introduzidas nos últimos anos) no
atacado estarão aprovadas. Se o
país der errado, as mudanças estarão também condenadas". Dada a desajuizada cobrança de ostensiva e generalizada diferenciação diante do passado, por parte
do novo governo, volto ao tema.
Antes, porém, umas poucas observações.
Daquele artigo (datado de 9 de
outubro de 2002) para cá, algumas coisas melhoraram significativamente. Assim, a perda de reservas líquidas, que chegou a ultrapassar US$ 2 bilhões ao mês,
praticamente cessou. O risco-país,
que havia chegado a 2.400 pontos, baixou até 1.250 pontos, voltando a se deteriorar nos últimos
dias. Aliás, é preciso lembrar que
as melhorias se deram com os preparativos para a guerra do Iraque
sendo finalizados! O que teria nos
ocorrido, na borda do abismo, como nos encontrávamos, ao chegar, aparentemente, o dia da
guerra? Ou, mais concretamente,
o que teria acontecido se o dólar
não tivesse baixado dos quase R$
4 em que então se encontrava?
Parte das melhorias se deve, seguramente, a que a situação não
era tão ruim quanto alguns indicadores sugeriam. Mas parte
também se deve à surpreendente
maleabilidade (e, possivelmente,
sabedoria) que vem sendo revelada pelo novo governo e pela opinião publica. E é aqui que entram
os javalis.
Na pobre e esquecida localidade
uruguaia de Aiguá surgiu, por
volta de 1990, um novo problema.
Os javalis se multiplicavam, atacando as ovelhas e suas crias. O
ministério correspondente prontamente reconheceu o surgimento
de uma nova "praga".
Acontece, porém, que um comerciante local aí percebeu uma
oportunidade. Criou concursos de
caça ao javali, que logo cresceram
e começaram a atrair turistas de
Punta del Este. O negócio prosperou, contagiou outros e foi assumido pela comunidade. Mais que
isso. Voltando à comunidade a
meados da década, Nora Presno,
a doutora e ex-extensionista uruguaia, a quem devo esta história,
surpreendeu-se ao constatar que
a caça ao javali passara a ser referida como "tradição". Aiguá começava a ser referida -e a se
identificar- como pólo de caça
ao javali!
Voltando ao Brasil, o que pretendo dizer é, antes de mais nada,
que estão surgindo fatos novos
extremamente interessantes.
Quem previu essa onda de apoio,
de fervor cívico por parte de empresários, de solidariedade cidadã, de moderação sindical? Quem
previu essa simpatia -entusiasmo, mesmo, na esfera internacional?
Isso torna obviamente menos
amargos os mesmos remédios anteriormente prescritos. Aliás, isso
torna possível retomar o crescimento mais cedo e a um melhor
ritmo! As previsões de crescimento estão neste momento sendo
corrigidas para cima e, de acordo
com a última "Carta de Conjuntura" do Instituto de Economia
(UFRJ), ainda podem surpreender para mais.
Voltando ao tema inicial, este
governo começa a mostrar que a
herança não era tão perversa como muitos supunham. A verdadeira grande surpresa parece ser
que somente um governo de oposição teria a capacidade de provocar a onda de simpatia e o apoio
(possivelmente) necessários para
que a obra do anterior começasse
a revelar o seu potencial.
O que acaba de ser dito parece
confirmar a idéia, mencionada
na última coluna, de que o objeto
e o que o homem pensa a seu respeito (seja ele um javali ou a situação econômica de um país)
não são independentes. E isso é
cada vez mais assim, à medida
que entramos na "economia que
aprende" ("learning economy"),
ou, como diria Giddens, na era da
reflexividade.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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