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São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Javalis

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Disse recentemente nesta coluna que "os próximos anos vão definir não apenas o futuro como o próprio passado... Se o país der certo, as mudanças (introduzidas nos últimos anos) no atacado estarão aprovadas. Se o país der errado, as mudanças estarão também condenadas". Dada a desajuizada cobrança de ostensiva e generalizada diferenciação diante do passado, por parte do novo governo, volto ao tema.
Antes, porém, umas poucas observações.
Daquele artigo (datado de 9 de outubro de 2002) para cá, algumas coisas melhoraram significativamente. Assim, a perda de reservas líquidas, que chegou a ultrapassar US$ 2 bilhões ao mês, praticamente cessou. O risco-país, que havia chegado a 2.400 pontos, baixou até 1.250 pontos, voltando a se deteriorar nos últimos dias. Aliás, é preciso lembrar que as melhorias se deram com os preparativos para a guerra do Iraque sendo finalizados! O que teria nos ocorrido, na borda do abismo, como nos encontrávamos, ao chegar, aparentemente, o dia da guerra? Ou, mais concretamente, o que teria acontecido se o dólar não tivesse baixado dos quase R$ 4 em que então se encontrava?
Parte das melhorias se deve, seguramente, a que a situação não era tão ruim quanto alguns indicadores sugeriam. Mas parte também se deve à surpreendente maleabilidade (e, possivelmente, sabedoria) que vem sendo revelada pelo novo governo e pela opinião publica. E é aqui que entram os javalis.
Na pobre e esquecida localidade uruguaia de Aiguá surgiu, por volta de 1990, um novo problema. Os javalis se multiplicavam, atacando as ovelhas e suas crias. O ministério correspondente prontamente reconheceu o surgimento de uma nova "praga".
Acontece, porém, que um comerciante local aí percebeu uma oportunidade. Criou concursos de caça ao javali, que logo cresceram e começaram a atrair turistas de Punta del Este. O negócio prosperou, contagiou outros e foi assumido pela comunidade. Mais que isso. Voltando à comunidade a meados da década, Nora Presno, a doutora e ex-extensionista uruguaia, a quem devo esta história, surpreendeu-se ao constatar que a caça ao javali passara a ser referida como "tradição". Aiguá começava a ser referida -e a se identificar- como pólo de caça ao javali!
Voltando ao Brasil, o que pretendo dizer é, antes de mais nada, que estão surgindo fatos novos extremamente interessantes. Quem previu essa onda de apoio, de fervor cívico por parte de empresários, de solidariedade cidadã, de moderação sindical? Quem previu essa simpatia -entusiasmo, mesmo, na esfera internacional?
Isso torna obviamente menos amargos os mesmos remédios anteriormente prescritos. Aliás, isso torna possível retomar o crescimento mais cedo e a um melhor ritmo! As previsões de crescimento estão neste momento sendo corrigidas para cima e, de acordo com a última "Carta de Conjuntura" do Instituto de Economia (UFRJ), ainda podem surpreender para mais.
Voltando ao tema inicial, este governo começa a mostrar que a herança não era tão perversa como muitos supunham. A verdadeira grande surpresa parece ser que somente um governo de oposição teria a capacidade de provocar a onda de simpatia e o apoio (possivelmente) necessários para que a obra do anterior começasse a revelar o seu potencial.
O que acaba de ser dito parece confirmar a idéia, mencionada na última coluna, de que o objeto e o que o homem pensa a seu respeito (seja ele um javali ou a situação econômica de um país) não são independentes. E isso é cada vez mais assim, à medida que entramos na "economia que aprende" ("learning economy"), ou, como diria Giddens, na era da reflexividade.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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