São Paulo, sábado, 29 de janeiro de 2005

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DEBATE GLOBAL

Banqueiros e economistas alertam para dificuldades de manter o crescimento econômico com a Selic em alta

Governo ouve coro contra juros em Davos

Pierre Verdy/France Presse
Henrique Meirelles, do BC, durante encontro sobre emergentes


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, bem que tentou: em sua exposição sobre a economia brasileira, em almoço durante o encontro anual 2005 do Fórum Econômico Mundial, chegou a dizer que os juros estão baixando, não subindo.
Usou o clássico truque das médias: "no período 1994/99, a média foi de 20% [reais, ou seja, descontada a inflação]; entre 99 e 2003, caiu para 12%, e ficou "em menos de 10% no ano passado" [sempre descontada a inflação].
Não colou. Nem com banqueiros, que não são exatamente inimigos de juros altos.
Ana Botín, presidente do Banesto e herdeira do império Santander-Central Hispano, citou reduzir os juros como uma das tarefas para o governo brasileiro, depois de ter elogiado, como todo mundo no encontro em Davos, o bom desempenho macroeconômico do ano passado.
Não colou também com Felipe Larraín, economista liberal da Universidade Católica do Chile, para quem, com 12% de juros reais, "é difícil" que o país possa manter o crescimento nos elevados níveis de que necessita.
Citou ainda o fato de que os juros altos aumentam o peso do serviço da dívida.

"Ventos externos"
Moisés Naim, editor da revista trimestral "Foreign Policy" e ex-ministro venezuelano do Planejamento, temperou os elogios à política do governo Lula com a observação de que os " ventos externos" foram favoráveis, para lembrar, em seguida, que "acidentes externos" podem acontecer e que nem todas as condições favoráveis (do ano passado) permanecerão neste ano".
"O que acontece quando terminar a lua-de-mel?", perguntou Naim, deixando a resposta no ar.
Não colou nem mesmo com o criador do Consenso de Washington, o economista John Williamson, apesar de, em tese, o Consenso defender a austeridade monetária.
Williamson já havia cochichado à Folha depois da exposição de Meirelles, que concordava com "quase tudo".
Acrescentou: "É normal que se realcem os aspectos positivos e se minimizem os negativos".
A Folha lembrou Williamson, que fala português perfeitamente, da frase do então ministro da Fazenda Rubens Ricupero, pilhado por um microfone quando pensava não estar no ar, segundo a qual "o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde".
Meirelles, que já voltara a seu lugar à mesa de debates, ao lado de Williamson, ouviu e fez questão de dizer que não era partidário dessa frase.
Na sua vez de tomar a palavra para falar da economia brasileira, também Williamson cobrou redução da taxa de juros, a partir de um raciocínio didático: "Para estabelecer como padrão um crescimento de 5% ou mais, o país precisa de investimentos, que não virão com taxa de juros acima de 10%".
Mas, ao contrário dos outros, que intercalaram elogios ao lamento apenas sobre os juros, Williamson tocou em outro ponto que tem sido igualmente objeto de atenção no Brasil: disse que o governo precisa ficar de olho na taxa de câmbio, que, segundo ele, já está entrando na faixa em que pode provocar a volta dos déficits em conta corrente -e, com eles, a vulnerabilidade externa, que foi a fonte das crises mais recentes da economia brasileira.
E, suprema ironia, o homem que Porto Alegre ama odiar, por ter sido o compilador do Consenso que o Fórum Social Mundial abomina, teve outra lembrança tremenda para um governo do PT: " Não se pode esquecer que o Brasil tem a mais desigual distribuição de renda do mundo".
O musse de morango da sobremesa já havia sido servido quando a palavra voltou a Meirelles, que não teve mais remédio do que reconhecer: "Não há dúvida de que a taxa de juros no Brasil é muito alta, mas, para reduzi-la, é preciso atingir as condições necessárias, em vez de decretar uma baixa".
Não bastassem as críticas dos estrangeiros, Meirelles ainda ouvia-as diretamente de seu colega de ministério, Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), que é, de resto, o mais assíduo crítico dos juros altos.
Na presença de Meirelles, Furlan disse à Folha: "Eu não critico os juros altos. Critico o fato de o BC não levar em conta que há preços que não são afetados por eles, como o do petróleo e os preços administrados".
A Folha provocou Meirelles: "É uma crítica justa?".
Meirelles desconversou: "No mundo todo é assim".
Antes, Furlan já havia demonstrado seu desagrado com a ata do Copom que anuncia a manutenção prolongada dos juros elevados e até ameaça aumentá-los mais.
"Não leio mais as atas do Copom, não adianta."
Contou também que prefere seguir recomendação de Amador Aguiar (fundador do Bradesco), que "dizia que, se fosse acreditar nos jornais, não conseguiria fazer o banco crescer".


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