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OPINIÃO ECONÔMICA
A economia política dos juros
GESNER OLIVEIRA
Há uma -combinação perversa entre a política e a
economia do combate antiinflacionário na atual conjuntura
brasileira. Quanto maior o viés
conservador do Banco Central ao
elevar a taxa de juros em ritmo
superior àquele que seria recomendável, menor o espaço político para conferir independência
formal à autoridade monetária.
Por sua vez, quanto menos independente o Banco Central,
mais oneroso o aumento dos juros para atingir uma determinada meta de inflação. Os efeitos
negativos desse círculo vicioso
ainda não foram sentidos porque
a conjuntura mundial tem sido
excepcionalmente favorável.
Ninguém esperava boas notícias na ata do Copom (Comitê de
Política Monetária) divulgada
na última quinta-feira. Porém o
tom do documento surpreendeu
os mais pessimistas. Ressalte-se,
por exemplo, o trecho no qual se
adverte que "o Copom examinou
a conveniência de acelerar o ritmo do ajuste da taxa de juros básica".
O problema não se restringe à
dureza do texto. Não há nada de
errado, pelo contrário, com um
BC determinado a extirpar o mal
inflacionário. O problema reside
na percepção cada vez mais generalizada de que há um exagero
na dose.
Depois de cinco elevações consecutivas na taxa primária de juros, seria prudente aguardar os
efeitos sobre a demanda e sobre
as expectativas inflacionárias para prosseguir com a política. Na
medida em que isso não ocorre e
em que persistem dúvidas quanto aos sinais dos principais indicadores da economia, fica a impressão de que o custo do combate antiinflacionário estaria sendo
excessivo.
Tal fato diminui a disposição
política em levar adiante o projeto de autonomia operacional do
Banco Central, veiculado em diversas ocasiões e mais recentemente explicitado no documento
do Ministério da Fazenda "Reformas Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo".
Muitas vezes se afirma que não
interessa conceder autonomia
formal para o BC, pois suas decisões já seriam autônomas na
prática. Isso não é verdade. A independência formal não é tudo,
mas faz grande diferença. Se os
responsáveis por decisões tão difíceis em relação ao custo do dinheiro podem ser demitidos a
qualquer momento pelo Executivo, atribui-se uma maior probabilidade de guinada súbita na
política monetária.
Assim, a política implementada por um BC independente se
torna mais crível. Isso permite
que a autoridade monetária
coordene as expectativas inflacionárias com mais eficiência do
que um órgão mais suscetível a
pressões políticas, reais ou imaginárias. Na prática, isso significa
que um BC mais independente
precisa elevar menos os juros para atingir uma mesma meta inflacionária. Os sinais emitidos
pelas autoridades são percebidos
pelo mercado, fazendo com que
as expectativas inflacionárias
convirjam mais rapidamente para as metas preestabelecidas.
Curiosamente, um BC mais independente não tem crises de auto-afirmação. Diante de uma
conjuntura marcada por incertezas e equipado com modelos econométricos sofisticados, mas
compreensivelmente limitados,
uma autoridade com credibilidade evita optar invariavelmente
por dosagens excessivas. Isso demonstra maturidade e consciência de que o remédio representado pela elevação de juros tem sérios efeitos colaterais e deve ser
aplicado com a máxima cautela
e parcimônia para não matar o
doente.
Há uma associação equivocada
entre o sacrifício incorrido pelo
país com a elevação dos juros e os
bons resultados macroeconômicos obtidos em 2004. É como se o
crescimento do PIB superior a
5% e a redução do prêmio de risco representassem prêmios pela
penitência da política monetária.
No entanto o bom desempenho
de 2004 se deveu preponderantemente à expansão mundial, que
permitiu ao país crescer a um ritmo maior, ocupando a capacidade ociosa preexistente. Por sua
vez, o principal tomador de dinheiro no mercado é o próprio
Estado. Portanto a maior parcela
do custo do excesso de conservadorismo da política de juros recaiu sobre as contas públicas.
Assim, o Brasil não foi bem em
2004 por causa da política monetária, mas apesar dela. E, em persistindo o atual viés conservador
na política de juros e diante de
uma piora no quadro externo, o
aumento do endividamento público poderá induzir nova crise
de confiança.
Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail -gesner@fgvsp.br
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