São Paulo, sábado, 29 de janeiro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

A economia política dos juros

GESNER OLIVEIRA

Há uma -combinação perversa entre a política e a economia do combate antiinflacionário na atual conjuntura brasileira. Quanto maior o viés conservador do Banco Central ao elevar a taxa de juros em ritmo superior àquele que seria recomendável, menor o espaço político para conferir independência formal à autoridade monetária.
Por sua vez, quanto menos independente o Banco Central, mais oneroso o aumento dos juros para atingir uma determinada meta de inflação. Os efeitos negativos desse círculo vicioso ainda não foram sentidos porque a conjuntura mundial tem sido excepcionalmente favorável.
Ninguém esperava boas notícias na ata do Copom (Comitê de Política Monetária) divulgada na última quinta-feira. Porém o tom do documento surpreendeu os mais pessimistas. Ressalte-se, por exemplo, o trecho no qual se adverte que "o Copom examinou a conveniência de acelerar o ritmo do ajuste da taxa de juros básica".
O problema não se restringe à dureza do texto. Não há nada de errado, pelo contrário, com um BC determinado a extirpar o mal inflacionário. O problema reside na percepção cada vez mais generalizada de que há um exagero na dose.
Depois de cinco elevações consecutivas na taxa primária de juros, seria prudente aguardar os efeitos sobre a demanda e sobre as expectativas inflacionárias para prosseguir com a política. Na medida em que isso não ocorre e em que persistem dúvidas quanto aos sinais dos principais indicadores da economia, fica a impressão de que o custo do combate antiinflacionário estaria sendo excessivo.
Tal fato diminui a disposição política em levar adiante o projeto de autonomia operacional do Banco Central, veiculado em diversas ocasiões e mais recentemente explicitado no documento do Ministério da Fazenda "Reformas Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo".
Muitas vezes se afirma que não interessa conceder autonomia formal para o BC, pois suas decisões já seriam autônomas na prática. Isso não é verdade. A independência formal não é tudo, mas faz grande diferença. Se os responsáveis por decisões tão difíceis em relação ao custo do dinheiro podem ser demitidos a qualquer momento pelo Executivo, atribui-se uma maior probabilidade de guinada súbita na política monetária.
Assim, a política implementada por um BC independente se torna mais crível. Isso permite que a autoridade monetária coordene as expectativas inflacionárias com mais eficiência do que um órgão mais suscetível a pressões políticas, reais ou imaginárias. Na prática, isso significa que um BC mais independente precisa elevar menos os juros para atingir uma mesma meta inflacionária. Os sinais emitidos pelas autoridades são percebidos pelo mercado, fazendo com que as expectativas inflacionárias convirjam mais rapidamente para as metas preestabelecidas.
Curiosamente, um BC mais independente não tem crises de auto-afirmação. Diante de uma conjuntura marcada por incertezas e equipado com modelos econométricos sofisticados, mas compreensivelmente limitados, uma autoridade com credibilidade evita optar invariavelmente por dosagens excessivas. Isso demonstra maturidade e consciência de que o remédio representado pela elevação de juros tem sérios efeitos colaterais e deve ser aplicado com a máxima cautela e parcimônia para não matar o doente.
Há uma associação equivocada entre o sacrifício incorrido pelo país com a elevação dos juros e os bons resultados macroeconômicos obtidos em 2004. É como se o crescimento do PIB superior a 5% e a redução do prêmio de risco representassem prêmios pela penitência da política monetária.
No entanto o bom desempenho de 2004 se deveu preponderantemente à expansão mundial, que permitiu ao país crescer a um ritmo maior, ocupando a capacidade ociosa preexistente. Por sua vez, o principal tomador de dinheiro no mercado é o próprio Estado. Portanto a maior parcela do custo do excesso de conservadorismo da política de juros recaiu sobre as contas públicas.
Assim, o Brasil não foi bem em 2004 por causa da política monetária, mas apesar dela. E, em persistindo o atual viés conservador na política de juros e diante de uma piora no quadro externo, o aumento do endividamento público poderá induzir nova crise de confiança.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail -gesner@fgvsp.br


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