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OPINIÃO ECONÔMICA
De Antonio a Guido
PAULO RABELLO DE CASTRO
Um hipotético e-mail de
Antonio Palocci a Guido
Mantega, na véspera da decisão
presidencial de substituir o primeiro pelo segundo, teria tido a
seguinte possível redação.
"Caro Guido: depois da última
conversa que tive com o presidente, ficou clara a necessidade de
meu afastamento e a conveniência de você assumir no meu lugar.
A tarefa de estabilização, que começamos juntos, com você no
Planejamento e eu, aqui, na Fazenda, está praticamente concluída. Contava terminar este ano colhendo os resultados finais e definitivos do nosso trabalho: câmbio
e inflação totalmente sob controle, em pleno ano eleitoral, salários
e massa de empregados em alta e
a economia empurrada de volta
aos 4% de crescimento com a ajuda de mais crédito, menos juros e
mais investimentos, inclusive públicos. Nesta cadeira, aprendi que
não se tem o que inventar em matéria de economia. Sei que essa é
sua área, como economista. Mesmo assim, atrevo-me a avançar
no conselho que você não pediu:
desvie-se de qualquer projeto
mais audacioso, não cogite nada
mirabolante. Aqui não dá. Não
no governo. O que funciona
-agora tenho certeza- é o tradicional feijão-com-arroz, deixando ao mercado (nosso verdadeiro patrão) a tarefa de ditar o
ritmo e a direção de pequenas e
eventuais mudanças na política
econômica. Ao ministro da Fazenda, no Brasil de hoje, já não
cabem mais as tarefas do tipo
exótico, tal como tentar projetar
um futuro, atrelado à visão daquele que, como presidente da República, a concebeu e a fez aprovar pela opinião pública. Fale em
crescimento, sim, mas seja discreto, para não ser mal interpretado
pelo mercado, como sendo mais
um desses inflacionistas do passado, que emitiram dinheiro a rodo
para financiar os investimentos
públicos deficitários.
Por falar em déficit, essa será
sua tarefa principal, como foi a
minha: ficar cercando o déficit
público, por todos os lados. Não é
à toa que consegui superávits primários cada vez maiores em
2003, 2004 e 2005, para nenhum
tucano botar defeito. Ficam insistindo em baixar a carga tributária, mas não tem outro jeito senão
continuar arrecadando sempre
mais porque, além da conta dos
juros da dívida -muito difícil de
controlar-, tem também o déficit da Previdência, nos dois regimes, que é uma verdadeira bola-de-neve. Juntos, esses dois itens
são capazes de eliminar a sua
pouca margem de manobra no
Orçamento. Ah! Por falar nisso,
peça ao Aldo Rebelo para apressar a votação da proposta orçamentária, pois vai pegar muito
mal para o governo Lula passar
do quarto mês do atual exercício
financeiro sem um Orçamento
aprovado...
Deixo-lhe uma ou duas batatas
quentes para resolver. A mais
emergencial é a questão da renda
da agricultura, que está despencando neste ano, na esteira de
preços em queda em todo o complexo de grãos e carnes. Isso afeta
bastante todo o interior do país,
exceto (felizmente!) em regiões
como a minha, dedicadas a lavouras como cana-de-açúcar. O
problema é sério e deixei gente estudando um pacote de alívio, embora todas as alternativas -você
bem sabe- representem pesados
desembolsos do Tesouro. Mas,
num ano eleitoral, acho que não
convém contrariar o setor produtivo...
Outra questão espinhosa é o ritmo das liberações de verbas, que
estive contingenciando pela não-aprovação do Orçamento. Acho
que você enfrentará uma barra
pesada para controlar os gastos.
A pressão começa pelo próprio
palácio. Mas não diga que comentei.
Finalmente, deixarei, caso saia
mesmo amanhã, umas anotações
minhas -em cima da mesa do
meu (aliás, seu) gabinete- contendo idéias sobre como conduzir
um debate econômico com vistas
ao provável segundo mandato do
nosso presidente. Dependendo de
como estiverem as prévias eleitorais, quando você se firmar no
cargo -coisa que, tenho certeza,
acontecerá- começarão a martelar na imprensa sobre qual seria
a pauta econômica de Lula para
os próximos quatro anos. Claro
que tem de abordar "reformas",
porque a mídia sempre se encanta com a possibilidade de mudanças. Mas, de novo, repito-lhe o
que aprendi: vá com calma nas
promessas porque conseguir
manter o mercado feliz vale mais
do que qualquer arroubo reformista. Se o presidente quiser, deixa ele puxar o assunto do "espetáculo do crescimento", até porque,
do jeito que tivemos sorte nesses
três últimos anos, dificilmente um
cenário mundial tão favorável se
repetirá daqui para a frente.
Concluo desejando-lhe todo o
sucesso que v. merece. Estarei fora
por uns tempos, mas continuo
disponível.
Uma última dica: abre o olho
com porteiros, garçons, caseiros
etc. Embora o rapaz do cafezinho,
que serve no andar do ministro,
seja de total confiança.
Um abraço do
A. Palocci."
Paulo Rabello de Castro, 57, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a
RC Consultores, consultoria econômica,
e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio/SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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