São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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COLAPSO DA ARGENTINA

Para novo ministro, adoção de câmbio fixo dificultaria negociação com FMI; inflação no ano passa de 20%

Agora, Lavagna diz que o dólar será livre

JOÃO SANDRINI
DE BUENOS AIRES

Após nove dias sem operações, o câmbio vai reabrir livre hoje na Argentina e, segundo declarações do novo ministro da Economia, Roberto Lavagna, deve permanecer assim. "Não haverá sistema de câmbio fixo, mas liberdade de mercados", disse ele em entrevista ao jornal "Clarín".
A afirmação do ministro contraria a disposição demonstrada nos últimos dias por membros do governo. Na sexta-feira, o secretário-geral da Presidência, Aníbal Fernandez, chegou a afirmar que a missão de "ancorar" o câmbio já havia sido passada a Lavagna pelo presidente Eduardo Duhalde.
O próprio presidente chegou a dizer que a implementação do câmbio fixo era "perfeitamente possível". Anteontem, na mesma linha, o chefe de Gabinete, Jorge Capitanich, questionado insistentemente por jornalistas, recusou-se a descartar a adoção de um sistema de câmbio fixo, dizendo apenas que a Argentina "persegue a estabilidade cambial".
Lavagna, porém, passou todo o sábado convencendo o presidente e líderes peronistas de que o câmbio fixo criaria dificuldades nas negociações para fechar um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e obter nova ajuda financeira já no mês de maio. O FMI desaprova a adoção do sistema de câmbio fixo.
Após obter o respaldo do peronismo, o ministro tratou de definir os instrumentos que serão utilizados para evitar a disparada do dólar a partir de hoje. Lavagna reuniu-se ontem com o presidente do Banco Central, Mario Blejer, e com diversos banqueiros para discutir como fortalecer as intervenções.
O BC deverá manter com os bancos o acordo pelo qual as instituições revenderão os dólares repassados pela autoridade monetária ao público com um ágio máximo de 0,05 peso. Além disso, o BC já anunciou que vai leiloar 170 milhões de pesos em títulos para diminuir a grande quantidade de dinheiro do mercado.

Intervenção forte
No sábado, por telefone, Lavagna discutiu alternativas para o modelo cambial argentino com o subsecretário do Tesouro dos EUA para assuntos internacionais, John Taylor, segundo a Folha apurou. O ministro, porém, não teria adiantado a Taylor uma decisão sobre o assunto.
O governo dos EUA avalia que os argentinos optarão pelo câmbio livre, mas serão obrigados a fazer intervenções fortes no mercado para acalmar os setores peronistas e a sociedade, descontentes com a desvalorização do peso.

Inflação
Manter o dólar pelo menos no patamar atual -de 3,28 pesos por US$ 1, no último dia 19- é um dos pontos centrais do plano do governo argentino.
Impulsionada pela forte desvalorização cambial, a inflação deve ser de 10% em abril, chegando a 20,6% nos quatro primeiros meses do ano. "Essa é a informação que me passou a equipe econômica anterior", disse Lavagna.
Se confirmada, a alta de abril supera a inflação de todo o primeiro trimestre, que foi de 9,7%. A taxa de março foi de 4%.
A escalada dos preços está diretamente relacionada à desvalorização cambial. A situação deve se agravar ainda mais nos próximos meses, quando o governo deverá negociar o reajuste das tarifas de serviços essenciais, como água, luz, energia e telefone.
Lavagna também admitiu que deverá ressuscitar, com algumas alterações, o "plano Bonex" -que prevê a devolução dos depósitos bloqueados no curralzinho em forma de títulos.
Na reunião com os banqueiros, ontem, Lavagna tentou convencer as instituições financeiras a garantir uma parcela de 20% dos títulos a serem entregues aos correntistas. Os outros 80% seriam garantidos pelo governo.
Lavagna também estuda uma forma de dar preferência aos correntistas que possuírem valores mais baixos depositados nos bancos. O plano inicial previa que todos os depósitos em dólar seriam trocados por bônus de dez anos, e as aplicações em pesos, por papéis de cinco anos.
Essas negociações só serão concluídas em até 30 dias, segundo o governo. De acordo com estudo do FMI, os bancos argentinos vão perder 80% do capital somente neste ano devido à política econômica de Duhalde. Por isso, o Fundo propõe a restruturação dos bancos privados e a privatização das instituições públicas.


Colaborou Marcio Aith, de Washington

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