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São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2003

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LUÍS NASSIF

A focalização e o outro lado

Nos anos 50 o professor Antonio Candido foi alvo de uma campanha sistemática de injúria por parte de quadros do Partido Comunista, logo depois que, com um grupo de intelectuais, denunciou os crimes de Stálin e rompeu com a legenda. Um dia encontrou-se com um antigo companheiro e lhe cobrou a razão da campanha. Não era nada pessoal, explicou o fulano. Era apenas para enfraquecer suas críticas e idéias.
Ao longo das décadas, a desqualificação moral tornou-se instrumento corriqueiro nas discussões acadêmicas tanto da esquerda quanto da direita. Basta discordar de um conceito, disputar um espaço de idéias para sair chutando abaixo da linha da cintura.
O que está acontecendo com essa campanha contra o Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), a partir da entrevista da economista Maria da Conceição Tavares à Folha, parece fazer parte desse mesmo modelo.
O Iets está sendo acusado de ser financiado pelo Banco Mundial para impor as tais políticas sociais "focalizadas" no governo Lula. A palavra "focalização" já se tornou maldita, independentemente de seu significado.
Pelo que me esclarece seu fundador, o economista André Urani, o Iets foi criado para reunir economistas de diversas instituições e linhas de pesquisa para trabalhos em conjunto e trocas de idéia. Não é vinculado a nenhum grupo político. Há pesquisadores da FGV, da PUC-RJ, da UFRJ, da Firjan, da CUT, do BNDES. Há nomes de peso e de todas as linhas políticas, como Ricardo Paes de Barros, do Ipea, Wanderley Guilherme dos Santos e Otávio Amorim. Como Oscip, o Iets tem todos os seus balanços auditados.
O próprio Urani trabalhou na Argentina com Roberto Frenkell, um dos pais do Plano Austral e com afinidades políticas com Conceição e o grupo de economistas da Unicamp que participou do Cruzado.
No final de 2001, segundo Urani, o instituto produziu um trabalho para o PMDB, denominado de "Esboço de Ação Integrada", que serviu de base para a chamada "Agenda Perdida", preparada pelo economista José Alexandre Scheinkman.
Não conheço por inteiro as idéias do Iets. Mas o que se está fazendo com esse pessoal não é correto. Discutam-se idéias e conceitos, mas não se lancem acusações morais sem ter provas consistentes.
O economista Marcos Lisboa, assessor de Antonio Palocci Filho, foi "acusado" de ter recebido dinheiro do Banco Mundial, por meio do Iets. O banco financia economistas de todas as origens e, em geral, é bastante rigoroso na escolha dos financiados. Se tivesse recebido, o fato não poderia ter sido tratado com esse tom de escândalo.
Lisboa remeteu e-mail a jornalistas esclarecendo que nunca fez pesquisas para o banco nem recebeu recursos da instituição. Admitiu claramente fazer parte do Iets e que o único trabalho que a Oscip prestou ao Banco Mundial custou US$ 8.000 -e do qual ele não participou. De nada adiantou. A informação de que ele admitia fazer parte do Iets não foi publicada e, em seguida, foi acusado de ter "escondido" essa condição.
Se houver prova de desonestidade, que seja apresentada. Se se for contra as idéias do grupo, que sejam rebatidas. Mas desqualificação moral não.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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