São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2008

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Conceição Tavares critica fundo soberano

Fundo é uma medida para o longo prazo, não para agora, quando há déficit em transações correntes, afirma economista

Brasil precisa ter reservas cambiais e fiscais para adotar proposta, diz a professora emérita da UFRJ; ela também defende controle de capitais


PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Filiada ao PT e professora emérita da UFRJ, a economista Maria da Conceição Tavares, 78, diz que a criação de um fundo soberano é algo para o "longo prazo" e incompatível com um cenário de déficit em transações correntes -o que o país já registra neste ano.
"Isso é para o longo prazo. Para ter um fundo soberano, o país tem de ter reservas cambiais e fiscais. Do contrário, não tem fundo soberano. E quem é que diz que vamos continuar [a ter reservas]? Sou a favor, como todos os países que têm reservas em dólares estão fazendo, porque ficar com reservas aplicadas em dólar é prejuízo. Sendo um mau negócio, é bom fazer um fundo soberano. Mas só vai funcionar se [o país] continuar acumulando reservas."
Lançada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, a idéia do fundo já encontra resistência em setores do próprio governo. Para Conceição Tavares, o problema é que o país vive agora uma deterioração de suas contas externas -de janeiro a abril, o saldo em transações correntes ficou negativo em US$ 14 bilhões, mais do que o déficit previsto para todo o ano (US$ 12 bilhões).
"Quando há déficit em transações correntes [como agora], o país acumula reservas falsas, pois são acumuladas pela conta de capitais [recursos do exterior]. Foi o que o FHC fez. Tinha US$ 80 bilhões de reservas, mas não era capital nosso. Com a crise cambial, foi tudo embora", disse a economista, após palestra no Ciclo de Conferências sobre "O Pensamento de Celso Furtado", no Rio.
A história, segundo ela, pode se repetir agora. "Uma coisa é acumular reservas por ter superávit de transações correntes. Essas já não estamos acumulando. Uma das razões é que, com essas taxas de câmbio e a possibilidade de arbitragem [o investidor pega dinheiro emprestado em um país e reaplica, a taxas maiores, em outro, ganhando com a diferença nos dois mercados], os caras [empresas] remetem lucros adoidados, que reingressam sob a forma de novo capital."
Para a economista, a situação das contas externas é ainda mais preocupante por causa do cenário externo. "Há a possibilidade de termos déficit de transações correntes com uma crise internacional junto, o que é muito ruim. Do Lula para cá, nos safamos: melhoramos a situação, exportamos mais, estamos retomando o crescimento e o investimento, mas há esse risco."
Como alternativa, Conceição Tavares defende o controle de capitais. "Nada impede que o Banco Central volte a ter controle de câmbio e de remessas [controles de fluxo de capitais]. Eles [o BC] não fazem isso porque têm instinto conservador."
A culpa da "virada" das contas externas, diz, é do câmbio, que também promove a desindustrialização de alguns setores -embora esse movimento esteja longe de ser generalizado em toda a indústria. "Estou preocupada com a sobrevalorização do câmbio, que prejudica as exportações industriais e incentiva as importações."
A economista critica os defensores de que o país deveria se especializar em ser exportador de matérias-primas. "O Brasil já é especializado em matérias-primas por causa de nossas vantagens absolutas. A questão é: o que se faz com a indústria, com os serviços, com as cidades? Se fizer tal opção, o país corre o risco de se tornar uma grande fazenda."


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