São Paulo, Sábado, 29 de Maio de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Saudades de um tal de Brasil...

ALOYSIO BIONDI

País subdesenvolvido, do Terceiro Mundo, mas com uma indústria nascente. Os preços do petróleo triplicam, quadruplicam, vão às nuvens. O Brasil, importando 90% do petróleo que consome, enfrenta um imenso rombo no seu comércio com o resto do mundo. Fica desesperado por dólares, entra em recessão, agravando-se a miséria.
O governo cria um plano econômico para economizar dólares, reduzindo importações e aumentando as exportações. Com o apoio do Banco do Brasil e do BNDES, o empresariado brasileiro se lança à conquista do mercado mundial ou à guerra para produzir, dentro do Brasil, máquinas, equipamentos, aço, celulose, papel, fertilizantes, tudo o que era importado.
A família Romi, do interior paulista, já produzia tornos sofisticadíssimos, "país" dos robôs de hoje, funcionando automaticamente com os chamados controles numéricos, um tipo de computador pioneiro. A família Romi exporta não só para a América Latina e África -mas, principalmente, para os EUA.
Os Villares vendem suas escadas rolantes, seus elevadores ou suas máquinas, como prensas industriais.
O pioneiro José Mindlin, com a Metal Leve, fornece peças de avião e aeronaves até para a portentosa Nasa, a agência espacial dos EUA.
Einar Kock e seus sócios vendem máquinas agrícolas da Piratininga pelo mundo afora.
Cláudio Bardella fornece gigantescas turbinas para usinas hidroelétricas.
Com o governo comprando até 5.000 vagões por ano, os Bueno Vidigal produzem vagões, locomotivas e depois até motores para navios com sua Cobrasma.
Ônibus da Mafersa são despachados para todos os quadrantes.
Empresários brasileiros, famílias pioneiras estão engajados em um projeto nacional, de construção de uma nação. Um garoto-engenheiro começa a produzir aparelhos de som com a marca Gradiente.
E muitos, muitos outros, empresários de grande ou pequeno porte, participam da saga de transformação do país: os Ermírio de Moraes, os Vellinho, os Monteiro Aranha, os Gerdau, os Gasparian, os Rabinovich, os Amado. Tantos, tantos empresários brasileiros engajados numa jornada transformadora.
União nacional. O governo faz a sua parte. Não se limita a garantir financiamentos. O Lloyd, empresa estatal de navegação, leva mercadorias brasileiras a todas as partes do mundo, abrindo mercados mesmo com prejuízos iniciais, no começo da abertura das linhas.
Petrobrás, Vale do Rio do Doce e outras estatais criam os chamados núcleos de articulação com a indústria, fazem encomendas às empresas nacionais -e chamam o IPT e as universidades para ajudá-las a desenvolver tecnologia brasileira, que as multinacionais não fornecem.
Com a Telebrás, a mesma coisa. O Brasil deixa de depender do exterior, livra-se da condição de botocudo. O governo faz acordos com outros países em desenvolvimento, da África ou América Latina, para aumentar as trocas comerciais entre eles, driblando assim o protecionismo dos EUA e outros países ricos que barram a entrada de produtos brasileiros em seu mercado.
Graças também a esses acordos, empreiteiras nacionais, os Mendes Júnior, as Hidroservices constroem gigantescas usinas hidroelétricas, ferrovias, rodovias em todo o mundo, principalmente nos países enriquecidos com a alta dos preços do petróleo.
Na agricultura, expande-se a produção de soja, provocando represálias dos EUA, maior produtor, ou de suco de laranja, ou de trigo, até então largamente importado. Os Bautista Vidal patrocinam a invenção do motor a álcool, que as multinacionais automobilísticas não queriam, para substituir o petróleo e criar centenas de milhares de empregos nas lavouras de cana-de-açúcar.
Sopram, no Brasil, os ventos da criação de uma nação, com empresários, trabalhadores, industriais, agricultores sentindo que têm um projeto nacional, um rumo, o desejo de não ser um mero "paiseco" de Terceiro Mundo.
Cria-se produção. Criam-se empregos. Cria-se tecnologia. Cria-se independência. Cria-se uma nação. Com a travessia, o Brasil supera a crise de dólares e surge como a décima economia mundial. Foi essa a saga dos anos 70 e 80.
Mas, depois de chegar ao topo, o Brasil mudou de rumo. Hoje o Brasil precisa de dólares. Mas as exportações não crescem. As importações não caem. As exportações de carros brasileiros, por exemplo, caíram 56% neste trimestre. Mas as exportações de carros do México subiram 20%. As multinacionais decidem quem exporta. E importam de suas matrizes. Torram dólares. Não têm compromisso com o Brasil, não se preocupam com as necessidades do Brasil. Que, aliás, hoje nem mais existe.
A nação foi destruída por um governo que açulou o ódio do consumidor contra o empresário nacional, o ódio do contribuinte contra o funcionalismo público, o ódio do cidadão contra as estatais, o ódio coletivo contra os agricultores, tratados como "caloteiros".
O que se chamava Brasil é hoje um imenso cemitério, com milhares de cruzes marcando os locais onde jazem as empresas e empresários da década de 70 e 80, ou enterrados os produtores de trigo do Rio Grande do Sul ou Paraná, ou os produtores de leite de São Paulo -e os sonhos de 20% dos trabalhadores, desempregados.
O governo previa que, com a máxi do real, o Brasil voltaria a exportar e reduziria importações. Economistas como o ex-ministro Delfim Netto diziam a mesma coisa, nos últimos quatro anos. A realidade é outra. País nas mãos de multinacionais não manda em seu destino. País sem projeto nacional é um país fantasma. Brasil.


Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve aos sábados no caderno Dinheiro.
E-mail: aloybi@brhf.com.br


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