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OPINIÃO ECONÔMICA
Saudades de um tal de Brasil...
ALOYSIO BIONDI
País subdesenvolvido, do Terceiro Mundo, mas com uma indústria nascente. Os preços do
petróleo triplicam, quadruplicam, vão às nuvens. O Brasil, importando 90% do petróleo que
consome, enfrenta um imenso
rombo no seu comércio com o
resto do mundo. Fica desesperado por dólares, entra em recessão, agravando-se a miséria.
O governo cria um plano econômico para economizar dólares, reduzindo importações e aumentando as exportações. Com o
apoio do Banco do Brasil e do
BNDES, o empresariado brasileiro se lança à conquista do mercado mundial ou à guerra para
produzir, dentro do Brasil, máquinas, equipamentos, aço, celulose, papel, fertilizantes, tudo o
que era importado.
A família Romi, do interior
paulista, já produzia tornos sofisticadíssimos, "país" dos robôs
de hoje, funcionando automaticamente com os chamados controles numéricos, um tipo de
computador pioneiro. A família
Romi exporta não só para a
América Latina e África -mas,
principalmente, para os EUA.
Os Villares vendem suas escadas rolantes, seus elevadores ou
suas máquinas, como prensas industriais.
O pioneiro José Mindlin, com a
Metal Leve, fornece peças de
avião e aeronaves até para a portentosa Nasa, a agência espacial
dos EUA.
Einar Kock e seus sócios vendem máquinas agrícolas da Piratininga pelo mundo afora.
Cláudio Bardella fornece gigantescas turbinas para usinas
hidroelétricas.
Com o governo comprando até
5.000 vagões por ano, os Bueno
Vidigal produzem vagões, locomotivas e depois até motores para navios com sua Cobrasma.
Ônibus da Mafersa são despachados para todos os quadrantes.
Empresários brasileiros, famílias pioneiras estão engajados
em um projeto nacional, de construção de uma nação. Um garoto-engenheiro começa a produzir
aparelhos de som com a marca
Gradiente.
E muitos, muitos outros, empresários de grande ou pequeno
porte, participam da saga de
transformação do país: os Ermírio de Moraes, os Vellinho, os
Monteiro Aranha, os Gerdau, os
Gasparian, os Rabinovich, os
Amado. Tantos, tantos empresários brasileiros engajados numa
jornada transformadora.
União nacional. O governo faz
a sua parte. Não se limita a garantir financiamentos. O Lloyd,
empresa estatal de navegação,
leva mercadorias brasileiras a
todas as partes do mundo, abrindo mercados mesmo com prejuízos iniciais, no começo da abertura das linhas.
Petrobrás, Vale do Rio do Doce
e outras estatais criam os chamados núcleos de articulação com a
indústria, fazem encomendas às
empresas nacionais -e chamam
o IPT e as universidades para
ajudá-las a desenvolver tecnologia brasileira, que as multinacionais não fornecem.
Com a Telebrás, a mesma coisa. O Brasil deixa de depender do
exterior, livra-se da condição de
botocudo. O governo faz acordos
com outros países em desenvolvimento, da África ou América Latina, para aumentar as trocas comerciais entre eles, driblando assim o protecionismo dos EUA e
outros países ricos que barram a
entrada de produtos brasileiros
em seu mercado.
Graças também a esses acordos, empreiteiras nacionais, os
Mendes Júnior, as Hidroservices
constroem gigantescas usinas hidroelétricas, ferrovias, rodovias
em todo o mundo, principalmente nos países enriquecidos com a
alta dos preços do petróleo.
Na agricultura, expande-se a
produção de soja, provocando
represálias dos EUA, maior produtor, ou de suco de laranja, ou
de trigo, até então largamente
importado. Os Bautista Vidal
patrocinam a invenção do motor
a álcool, que as multinacionais
automobilísticas não queriam,
para substituir o petróleo e criar
centenas de milhares de empregos nas lavouras de cana-de-açúcar.
Sopram, no Brasil, os ventos da
criação de uma nação, com empresários, trabalhadores, industriais, agricultores sentindo que
têm um projeto nacional, um rumo, o desejo de não ser um mero
"paiseco" de Terceiro Mundo.
Cria-se produção. Criam-se
empregos. Cria-se tecnologia.
Cria-se independência. Cria-se
uma nação. Com a travessia, o
Brasil supera a crise de dólares e
surge como a décima economia
mundial. Foi essa a saga dos
anos 70 e 80.
Mas, depois de chegar ao topo,
o Brasil mudou de rumo. Hoje o
Brasil precisa de dólares. Mas as
exportações não crescem. As importações não caem. As exportações de carros brasileiros, por
exemplo, caíram 56% neste trimestre. Mas as exportações de
carros do México subiram 20%.
As multinacionais decidem
quem exporta. E importam de
suas matrizes. Torram dólares.
Não têm compromisso com o
Brasil, não se preocupam com as
necessidades do Brasil. Que,
aliás, hoje nem mais existe.
A nação foi destruída por um
governo que açulou o ódio do
consumidor contra o empresário
nacional, o ódio do contribuinte
contra o funcionalismo público,
o ódio do cidadão contra as estatais, o ódio coletivo contra os
agricultores, tratados como "caloteiros".
O que se chamava Brasil é hoje
um imenso cemitério, com milhares de cruzes marcando os locais onde jazem as empresas e
empresários da década de 70 e
80, ou enterrados os produtores
de trigo do Rio Grande do Sul ou
Paraná, ou os produtores de leite
de São Paulo -e os sonhos de
20% dos trabalhadores, desempregados.
O governo previa que, com a
máxi do real, o Brasil voltaria a
exportar e reduziria importações. Economistas como o ex-ministro Delfim Netto diziam a
mesma coisa, nos últimos quatro
anos. A realidade é outra. País
nas mãos de multinacionais não
manda em seu destino. País sem
projeto nacional é um país fantasma. Brasil.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve aos
sábados no caderno Dinheiro.
E-mail: aloybi@brhf.com.br
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