São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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ARTIGO

Empresas corruptas enfrentam poucos obstáculos nos EUA

PAUL KRUGMAN

Digamos que você administre uma sorveteria. Ela não é muito lucrativa, de modo que o que se pode fazer para enriquecer? Cada um dos grandes escândalos de negócios nos Estados Unidos revelados até agora sugere uma estratégia diferente de favorecimento aos executivos.
Primeiro temos a estratégia Enron. Basta assinar contratos para fornecer aos clientes um sorvete ao dia durante 30 anos. O custo de fornecimento de cada sorvete é deliberadamente subestimado, e a seguir todos os lucros projetados para essas futuras vendas de sorvete são contabilizados como parte dos resultados deste ano. De repente, o seu negócio parece ser altamente lucrativo, e é possível vender ações de sua loja a preços altamente inflacionados.
Depois temos a estratégia Dynegy. As vendas de sorvete não ofereciam lucro suficiente, mas os investidores foram convencidos de que no futuro elas serão lucrativas. Depois, fecha-se um acordo discreto com outra sorveteria do bairro: as duas lojas comprarão centenas de sorvetes uma da outra, todo dia. Ou melhor, fingirão comprar -não há necessidade de realizar o trabalho maçante de transportar todos esses sorvetes de um lado para o outro. O resultado é que a sorveteria parece ser um protagonista importante em um setor em ascensão, e por isso ações podem ser vendidas a preços inflados.
Temos também a estratégia Adelphia. Contratos são assinados com os clientes, e os investidores são convencidos a prestar mais atenção ao volume de contratos do que à lucratividade deles. Nesse caso, a sorveteria não se envolve em transações imaginárias, mas simplesmente inventa uma série de clientes imaginários. Com sua base de clientes crescendo tão rápido, os analistas avaliam a sorveteria de maneira muito positiva, e as ações podem ser vendidas a preços inflados.
Por fim, temos a estratégia da WorldCom. Com ela, a sorveteria não cria vendas imaginárias, mas oculta os custos reais, fingindo que as despesas operacionais -o creme, o açúcar, a calda de chocolate- são parte do preço de compra de um novo refrigerador.
Assim, a empresa deficitária parece -no papel- ter lucros elevados, e seus empréstimos aparentemente servem apenas para financiar aquisições de novos equipamentos. O que permite vender ações a preços inflados.

Concessão
Ah, é, quase me esqueci. E para aqueles que quiserem enriquecer pessoalmente? A maneira mais fácil seria conceder a você mesmo muitas opções de ações, para que possa se beneficiar desses preços inflados.
Mas também é possível empregar entidades de propósito especial, como no caso da Enron, empréstimos pessoais ao estilo da Adelphia e assim por diante, para aumentar os lucros. É bom ser executivo-chefe.
Há duas coisas detestáveis com relação a esse cardápio de delitos. A primeira é que cada um dos grandes escândalos empresariais revelados até agora envolveu uma trapaça diferente. Assim, não reconforta dizer que poucas outras empresas poderiam ter empregado os truques que a Enron ou a WorldCom usaram -certamente, outras empresas descobriram novos truques.
Segundo, as trapaças não eram muito difíceis de detectar. Por exemplo,a WorldCom está alegando agora que 40% do investimento que disse ter realizado no ano passado era falso, e que na verdade esse dinheiro foi gasto com despesas operacionais.
De que maneira as pessoas que deveriam estar alertas a essa possibilidade de fraude corporativa - como bancos, auditores e as agências de fiscalização governamentais- deixaram passar algo dessas dimensões?
A resposta, evidentemente, é que ou elas não queriam ver o que estava acontecendo ou foram impedidas de agir a respeito.
Não estou dizendo que todas as empresas dos Estados Unidos são corruptas. Mas fica claro que os executivos que desejam praticar a corrupção encontraram poucos obstáculos. Os auditores não estavam interessados em dificultar a vida das empresas que lhes davam muita receita na área de consultoria; os executivos dos bancos não estavam interessados em dificultar as coisas para empresas que, como vimos no caso da Enron, permitiam que eles participassem em lucrativas operações paralelas.
E os funcionários eleitos, mantidos na linha por contribuições às suas campanhas eleitorais e outros incentivos, impediram que os fiscais fizessem o trabalho que deveriam ter feito, privando suas agências de verbas, criando buracos negros de regulamentação nos quais práticas escusas pudessem florescer.
(Mesmo que agora denuncie ruidosamente a WorldCom, George W. Bush continua tentando indicar o homem que criou a infame "isenção Enron", uma lei redigida especificamente para livrar a empresa de fiscalização, para um posto de comando em uma agência importante de regulamentação. E alguns deputados parecem mais interessados em reprimir o secretário da Justiça do Estado de Novas York, Eliot Spitzer, do que em fazer alguma coisa sobre a corrupção que ele vem investigando.)
Enquanto isso, as revelações continuam a surgir. Seis meses atrás, em uma coluna severamente criticada, sugeri que um dia o escândalo da Enron talvez marcasse uma reviravolta maior para a percepção dos norte-americanos sobre seu país do que o 11 de setembro [data dos atentados terroristas que derrubaram o World Trade Center e parte do Pentágono". Será que isso soa tão implausível agora?


Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton. Este artigo foi publicado originalmente pelo jornal "The New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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