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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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INTERNACIONAL

Reforma da política agrícola e mistificação eurocrática

DO "INDEPENDENT"

A Europa teve mais de 30 anos para pôr fim ao seu esquema de produção excessiva de alimentos. Mas, na semana passa, uma vez mais, optou por ignorar as reformas fundamentais que são necessárias. O que a Política Agrícola Comum (PAC) precisa não é de reforma, mas de abolição. Se isso soa familiar, talvez seja porque foi este o parágrafo de abertura em um editorial sobre o assunto neste jornal [o inglês "The Independent"], em julho de 1997.
Muito pouco mudou nos últimos seis anos. Mas não seria justo afirmar que nada muda. O editorial de 97 foi escrito num período em que a ampliação da União Européia rumo ao Leste estava se tornando certeza. A lógica de expandir o regime de subsídio aos fazendeiros poloneses era inescapável. A discussão deixou de girar em torno da resistência de interesses velados, especialmente dos franceses, e passou a versar sobre o tipo de mudança que ocorreria.
Margaret Beckett, secretária britânico para Ambiente, Alimentos e Assuntos Rurais, disse que era "difícil desconsiderar a importância" do acordo da semana passada. Bem, nem tão difícil. Talvez possa ser descrito como um grande avanço.
Mas isso não é fato. O acordo representa provavelmente a mudança menos dramática que a França poderia conceder com a admissão de dez novos países à UE no ano que vem.
Beckett orgulhosamente mencionou o fato de que o acordo pôs fim ao vínculo entre subsídios agrícolas e produção. Esse é certamente um princípio importante.
Mas o predecessor dela no posto, Nick Brown, parecia igualmente satisfeito ao proclamar que a União Européia havia enfim aceito essa idéia em 99.
Na verdade, Brown poderia ter alegado que seu acordo era ainda mais significativo que o de Beckett, porque ele e os demais ministros conseguiram limitar a PAC, negociando um teto para os dispêndios totais com subsídios à agricultura. Esse limite, de cerca de US$ 50 bilhões por ano, não foi alterado. O mesmo montante continuará a ser desperdiçado e a distorcer o mercado europeu de alimentos.
Não é grande consolo saber que parte dessa imensa montanha de dinheiro público será desviada para a proteção do ambiente, para o apoio a comunidades rurais economicamente marginalizadas ou para facilitar a concorrência dos fazendeiros orgânicos. Trata-se decerto de objetivos dignos de atenção, mas, se merecem subsídios, deveriam obtê-los com base em seus méritos, e a pressão do público quanto a isso é que deveria abrir caminho para sua adoção.
O acordo importa, porque pode marcar o começo do fim da PAC. Mas a verdade é que ele poderia ter avançado muito mais. Quem sai prejudicado são não só os cidadãos da União Européia, mas, como os europeus cada vez mais se conscientizam, os pobres do mundo, especialmente os africanos, cujas economias de base agrícola sofrem desproporcionalmente com o dumping de comida européia subsidiada.
O fracasso não se restringe ao comércio mundial de alimentos. A eliminação da PAC deveria ser reforçar a posição européias nas negociações mundiais de comércio. A escala dos subsídios europeus à agricultura apequena o regime de subsídios muito menor, mas ainda assim significativo, que os Estados Unidos adotam e torna moralmente difícil defender o livre comércio de outros bens e serviços.
Até que a completa abolição da Política Agrícola Comum esteja à vista, será muito fácil continuar "destacando a importância" de toda e qualquer manobra de mistificação eurocrática.


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