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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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ESPETÁCULO EM XEQUE

Segundo estudo, setores público e privado gastarão neste ano metade do necessário em infra-estrutura

Investimento não deve passar de US$ 10 bi

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

A redução da taxa de juros ajuda, mas não é suficiente para levar o país a crescer. A expansão da economia depende de um ciclo de investimentos, que resultaria em aumento de emprego, renda e consumo, na análise de empresários, economistas e representantes do próprio governo.
Mas, se depender da disposição de investir do governo e dos empresários, o Brasil não deslancha nem em 2004.
Os US$ 15 bilhões que os setores público e privado planejavam investir neste ano em infra-estrutura não devem passar de US$ 10 bilhões, segundo levantamento da Abdib (Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base). Pior: estudo da associação mostra que a demanda por investimentos em infra-estrutura -principalmente nos setores de energia, petróleo e gás- é de US$ 20 bilhões anuais.
Isso é, o Brasil investe apenas metade do que precisa em infra-estrutura.
"O país não tem recursos para poder fazer esses investimentos e não vai tê-los mesmo com as reformas tributária e previdenciária. O dinheiro estrangeiro também está restrito, além de a capacidade de endividamento do país estar limitada. A saída é criação de um fundo de financiamento com garantias do Banco Mundial", afirma José Augusto Marques, presidente da Abdib.
Nos últimos dois anos, os setores público e privado também investiram menos em infra-estrutura e indústria de base do que planejaram. Em 2002, a estimativa era investir US$ 22 bilhões, mas esse número ficou em US$ 14,3 bilhões. Em 2001, a previsão era de US$ 25 bilhões, mas o investimento feito foi de US$ 20 bilhões.
"Além da falta de recursos, o país tem problemas de regulamentação -por exemplo, a energia será vendida a que preço? E há demora na obtenção de licenças ambientais. Fora isso, o Estado, que é regulador e fiscalizador, é carente de pessoas com capacidade de gestão", afirma Marques.
Levantamento da Fundação Getúlio Vargas feito entre o final de abril e o final de maio mostra que apenas 30% das 1.291 empresas consultadas tinham intenção de investir em expansão da capacidade produtiva ao longo deste ano. No mesmo período do ano passado, esse percentual era de 32%. Em 2001, de 35%.
Os setores que estão menos dispostos a investir em aumento da produção em 2003, na comparação com 2002, informa a FGV, são químico, metalúrgico, de material de transporte e de alimentos. O consumo interno contido e os juros altos são os principais inibidores desses investimentos.

Estrangulamento
Vale lembrar que, segundo a FGV, a indústria metalúrgica já operava com 90,8% da capacidade em abril. Acima de 80%, para alguns setores, já é sinal de que é preciso expandir. Os mais dispostos a investir em capacidade produtiva neste ano, na comparação com o ano passado, são os setores mecânico, de material elétrico e de comunicações e têxtil.
No levantamento da FGV, o setor de papel e celulose, um dos que operam no limite da capacidade de produção, aparece como desinteressado em investir em produção -só 35% das empresas ouvidas pretendem expandir a capacidade. No ano passado, esse percentual era de 62%.
Um grupo de dez empresas do setor, no entanto, acaba de apresentar a representantes do governo um plano de investimentos de US$ 14,4 bilhões em dez anos para aumentar a capacidade. Um terço dos recursos viriam das próprias empresas, informa a Bracelpa, associação dos fabricantes.
"Projetos de investimentos de sempre existem. Mas, para o país voltar a crescer a taxas superiores a 4% ou 5% ao ano, precisa aumentar os investimentos em geral", afirma Jorge Ferreira Braga, coordenador da sondagem industrial da FGV. Segundo ele, os investimentos no país, que representaram 18,7% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2002, teriam de subir para 24% do PIB.
Para o país retomar, na análise de Maurício Borges Lemos, diretor do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a taxa de juros real da economia também teria de cair muito mais, para 6% ao ano -hoje é da ordem de 17%. Além disso, diz, o país precisa de um boom de investimentos.
A queda de juros, na sua análise, é importante não para criar impacto no consumo, mas para melhorar a percepção sobre os custos de oportunidades de investimentos. A expansão da economia só virá por meio de investimentos públicos, seguidos de privados.
"O consumo virá pela geração de emprego e renda, e não pelo boom de crédito", afirma Lemos.
Com a queda de juros, os problemas que o país tem para resolver ficam ainda mais expostos, na análise de Júlio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). "Como ficarão os investimentos em energia, a política tarifária e as regras para o setor de elétrico?"

Exportações
A redução gradual dos juros, dizem os economistas, pode dar um fôlego para a economia no curto prazo, já que estimula o financiamento para o consumidor. A volta dos investimentos depende ainda da melhora do perfil das exportações (vender no exterior produtos de maior valor) e de políticas setoriais.
O estímulo à indústria da construção civil, diz Fábio Silveira, economista da MB Associados, também pode dar um impulso à economia, já que absorve grande volume de mão-de-obra.
O que os economistas dizem é que a redução de juros anima alguns setores e pode dar fôlego ao país num curto prazo. O que o país precisa, na análise de empresários e economistas, é de investimentos. Se não, ficará condenado a um crescimento pífio.


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