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DEZ ANOS DE REAL
Temor de ajuste fiscal fraco e eleições de 94 criaram dúvidas mesmo entre os idealizadores da nova moeda
Livro mostra pessimismo dos "pais" do plano
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os criadores intelectuais do Plano Real, os economistas André
Lara Resende, Pérsio Arida e Edmar Bacha, eram pessimistas em
relação à sua "criatura" e achavam que o projeto tinha grande
chance de não dar certo.
Quem conseguiu convencer os
três a seguir adiante em 1993 foi
Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco.
Essas são algumas histórias de
bastidores que constarão do livro
que a jornalista Maria Clara Prado
lançará daqui a dois meses. O livro, que tem o título provisório
"A Real do Real, sobre os bastidores do Plano", será publicado pela
editora Record.
"O Fernando Henrique dizia:
"Gente, o Plano vai dar certo. Vocês têm de ter coragem para fazê-lo'", diz Maria Clara, que foi convidada, em abril de 1994, para integrar a equipe e elaborar a estratégia de divulgação do Real.
"Naquela época, a URV [Unidade Real de Valor] já estava na rua.
Existia uma necessidade grande
de uma estratégia de comunicação. As pessoas tinham medo de
confisco, de congelamento", afirma a jornalista.
Antes de aceitar o convite, Maria Clara fez algumas exigências.
Uma delas era ter assento garantido em todas as reuniões da equipe
econômica. Os registros desses
encontros, anotados em um diário, e os documentos guardados,
entre abril de 1994 e setembro de
1995, quando deixou o governo,
se converteram no livro.
Mas, além de discorrer sobre os
bastidores desse período, Maria
Clara vai adiante até a desvalorização de 1999 e reconstrói também o período de gestação do Plano, em 1993, depois de ler documentos, diários e fazer entrevistas
com os principais envolvidos.
Isso a permitiu reconstruir, por
exemplo, a história do medo inicial dos pais do Real.
"Eles achavam que tinha grande
chance de não dar certo, principalmente o André Lara, que era o
mais pessimista e cético do grupo", afirma Maria Clara.
Segundo ela, além de carregar
na bagagem a experiência ruim
do passado -Bacha, Arida e Lara
Resende haviam participado do
Plano Cruzado-, os três economistas tinham outros temores.
"Eles ficavam assim: não vai dar
em nada, o ajuste fiscal é fraco; o
Itamar vai criar problema e, com
as eleições no ano que vem, os
pleitos políticos vão atrapalhar o
Plano...", diz Maria Clara.
Achavam ainda que o momento
político era ruim: o país saía do
episódio do impeachment de Fernando Collor de Melo e assistia,
no fim de 1993, ao desenvolvimento da chamada CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)
dos Anões do Orçamento.
"Mas o Fernando Henrique
pensava o contrário. Ele achava
que tudo isso vinha a favor do Plano e dizia: "Gente, o Congresso está de joelho, não vai criar problema'", afirma Maria Clara.
Segundo a jornalista, outro entusiasmado com o Plano era Gustavo Franco, então diretor de assuntos internacionais do BC que,
mais tarde, se tornou presidente
da instituição.
Além do incentivo de FHC, contribuiu para animar a equipe econômica a benção recebida de Mário Covas, um dos fundadores e
principais líderes do PSDB -partido de FHC.
Segundo Maria Clara, os políticos do PSDB, de olho nas eleições
presidenciais de 1994, a princípio
preferiam outro congelamento
-cujos efeitos eram mais rápidos- e não entenderam nada do
Real. Mas, ainda assim, Covas resolveu apoiar o projeto, depois de
uma reunião na casa de FHC.
O apoio do FMI (Fundo Monetário Internacional), no entanto,
não foi conquistado. Segundo a
autora -que, para o livro, entrevistou Stanley Fischer, ex-vice-diretor-gerente do Fundo-, economistas e dirigentes do FMI não
entenderam o plano.
Apesar disso, o Real foi aprovado e, em julho de 1994, já dava nome à nova moeda brasileira.
Nessa época, o ministro da Fazenda era Rubens Ricupero, e
FHC já era candidato à Presidência pelo PSDB. Meses depois, Ricupero protagonizou um episódio que, para a autora, foi uma das
principais ameaças ao Real. Em
conversa com o jornalista Carlos
Monforte, da Rede Globo, captada por uma antena parabólica, Ricupero disse a seguinte frase: "Eu
não tenho escrúpulos. O que é
bom a gente fatura; o que é ruim,
esconde".
Além de detalhes de bastidores
dessa crise externa, a autora registra em seu livro vários embates internos da própria equipe que
marcaram a história do Plano
Real, como as disputas entre Gustavo Franco e Pérsio Arida e os
desentendimentos entre José Serra e Pedro Malan.
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