São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DEZ ANOS DE REAL

Temor de ajuste fiscal fraco e eleições de 94 criaram dúvidas mesmo entre os idealizadores da nova moeda

Livro mostra pessimismo dos "pais" do plano

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os criadores intelectuais do Plano Real, os economistas André Lara Resende, Pérsio Arida e Edmar Bacha, eram pessimistas em relação à sua "criatura" e achavam que o projeto tinha grande chance de não dar certo.
Quem conseguiu convencer os três a seguir adiante em 1993 foi Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco.
Essas são algumas histórias de bastidores que constarão do livro que a jornalista Maria Clara Prado lançará daqui a dois meses. O livro, que tem o título provisório "A Real do Real, sobre os bastidores do Plano", será publicado pela editora Record.
"O Fernando Henrique dizia: "Gente, o Plano vai dar certo. Vocês têm de ter coragem para fazê-lo'", diz Maria Clara, que foi convidada, em abril de 1994, para integrar a equipe e elaborar a estratégia de divulgação do Real.
"Naquela época, a URV [Unidade Real de Valor] já estava na rua. Existia uma necessidade grande de uma estratégia de comunicação. As pessoas tinham medo de confisco, de congelamento", afirma a jornalista.
Antes de aceitar o convite, Maria Clara fez algumas exigências. Uma delas era ter assento garantido em todas as reuniões da equipe econômica. Os registros desses encontros, anotados em um diário, e os documentos guardados, entre abril de 1994 e setembro de 1995, quando deixou o governo, se converteram no livro.
Mas, além de discorrer sobre os bastidores desse período, Maria Clara vai adiante até a desvalorização de 1999 e reconstrói também o período de gestação do Plano, em 1993, depois de ler documentos, diários e fazer entrevistas com os principais envolvidos.
Isso a permitiu reconstruir, por exemplo, a história do medo inicial dos pais do Real.
"Eles achavam que tinha grande chance de não dar certo, principalmente o André Lara, que era o mais pessimista e cético do grupo", afirma Maria Clara.
Segundo ela, além de carregar na bagagem a experiência ruim do passado -Bacha, Arida e Lara Resende haviam participado do Plano Cruzado-, os três economistas tinham outros temores.
"Eles ficavam assim: não vai dar em nada, o ajuste fiscal é fraco; o Itamar vai criar problema e, com as eleições no ano que vem, os pleitos políticos vão atrapalhar o Plano...", diz Maria Clara.
Achavam ainda que o momento político era ruim: o país saía do episódio do impeachment de Fernando Collor de Melo e assistia, no fim de 1993, ao desenvolvimento da chamada CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Anões do Orçamento.
"Mas o Fernando Henrique pensava o contrário. Ele achava que tudo isso vinha a favor do Plano e dizia: "Gente, o Congresso está de joelho, não vai criar problema'", afirma Maria Clara.
Segundo a jornalista, outro entusiasmado com o Plano era Gustavo Franco, então diretor de assuntos internacionais do BC que, mais tarde, se tornou presidente da instituição.
Além do incentivo de FHC, contribuiu para animar a equipe econômica a benção recebida de Mário Covas, um dos fundadores e principais líderes do PSDB -partido de FHC.
Segundo Maria Clara, os políticos do PSDB, de olho nas eleições presidenciais de 1994, a princípio preferiam outro congelamento -cujos efeitos eram mais rápidos- e não entenderam nada do Real. Mas, ainda assim, Covas resolveu apoiar o projeto, depois de uma reunião na casa de FHC.
O apoio do FMI (Fundo Monetário Internacional), no entanto, não foi conquistado. Segundo a autora -que, para o livro, entrevistou Stanley Fischer, ex-vice-diretor-gerente do Fundo-, economistas e dirigentes do FMI não entenderam o plano.
Apesar disso, o Real foi aprovado e, em julho de 1994, já dava nome à nova moeda brasileira.
Nessa época, o ministro da Fazenda era Rubens Ricupero, e FHC já era candidato à Presidência pelo PSDB. Meses depois, Ricupero protagonizou um episódio que, para a autora, foi uma das principais ameaças ao Real. Em conversa com o jornalista Carlos Monforte, da Rede Globo, captada por uma antena parabólica, Ricupero disse a seguinte frase: "Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde".
Além de detalhes de bastidores dessa crise externa, a autora registra em seu livro vários embates internos da própria equipe que marcaram a história do Plano Real, como as disputas entre Gustavo Franco e Pérsio Arida e os desentendimentos entre José Serra e Pedro Malan.


Texto Anterior: Contagem regressiva: Para o BIS, juro maior nos EUA afeta o Brasil
Próximo Texto: Mercado financeiro: Bolsa registra queda de 1,92%; dólar sobe
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.